Transtornos mentais, o acidente de trabalho quase invisível

Por Rosângela Maria, petroleira da Rlam e diretora de Saúde, Segurança e Meio Ambiente da FUP

A data 28 de abril foi designada em 2003 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como o Dia Mundial da Segurança e da Saúde no Trabalho. É, também, o dia em que movimentos sindicais celebram em todo o mundo, desde 1996, a memória das vítimas de acidentes de trabalho e das doenças profissionais. No Brasil, a Lei 11.121/2005 instituiu a mesma data como o Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho.

A finalidade de registrar a data no calendário é a de orientar o olhar de empregadores, empregados e da sociedade em geral para a gravidade do problema da segurança e saúde dos trabalhadores. 

Quando se fala em acidente de trabalho, a primeira referência são os chamados acidentes de trabalho típicos – aqueles decorrentes do exercício do trabalho e que provocam lesão corporal ou perturbação funcional. Mas as estatísticas englobam também as doenças profissionais (aquelas que resultam diretamente das condições de trabalho, como a silicose ou a perda auditiva) e as doenças do trabalho – resultantes da exposição do trabalhador a agentes ambientais que não são típicos de sua atividade.

É nessa última categoria que se inserem os transtornos mentais relacionados ao trabalho – um mal invisível e silencioso, mas que vem sendo detectado há anos pela Previdência Social como causa de afastamento do trabalho. 

Transtornos de humor, como a depressão, transtornos neuróticos (síndrome do pânico e estresse pós-traumático, por exemplo) e o uso de substâncias psicoativas, como o álcool e as drogas, são os principais transtornos mentais que causam incapacidade para o trabalho no Brasil. Segundo o professor Duílio Antero de Camargo, do Setor de Saúde Mental e Psiquiatria do Trabalho do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, essas patologias, comumente, se desencadeiam a partir do chamado estresse ocupacional, ocasionado por fatores como cobrança abusiva de metas e assédio moral. “Há muita cobrança, muita competitividade nos ambientes corporativos, e a pressão que se forma leva às alterações”, afirma.

Visibilidade

Temos  que dar visibilidade ao problema, abordar uma doença que está se generalizando em muitos ambientes de trabalho. O trabalhador passa por uma pressão muito grande de exigência de produtividade e de competição e, assim, começam a aparecer novas doenças.

Os problemas de ordem psicológica ou psiquiátrica são responsáveis por um número considerável de afastamentos, que vêm crescendo em função das exigências da sociedade moderna. Os grandes fatores são o estresse e a depressão, a grande epidemia do século XXI, segundo especialistas. E o assédio moral é um dos grandes desencadeadores do adoecimento de trabalhadores no campo comportamental.

Desafio

A identificação desses transtornos e do nexo de causalidade entre eles e o trabalho é um grande desafio para a Justiça do Trabalho. Casos julgados recorrentemente pelo TST exemplificam essa intricada relação do ambiente de trabalho com a saúde mental.

Muitas vezes, a relação é clara. É o caso, por exemplo, do processo que envolve um engenheiro mecânico da Petrobrás que desenvolveu esquizofrenia em decorrência de uma explosão na plataforma de Anchova, na Bacia de Campos, em 1984, que resultou na morte de 37 trabalhadores e dezenas de feridos. Hoje aposentado, ele contou no processo que passou por diversas internações devido aos problemas psicológicos originados pelo acidente.

A perícia do INSS diagnosticou seu caso como esquizofrenia paranoide, caracterizada pela ocorrência de “ideias delirantes, frequentes estados de perseguição, alucinações auditivas e perturbações das percepções”, exigindo o uso contínuo de medicamentos controlados, como Rohypnol, Lexotan e Gardenal. Uma vez estabelecido o nexo de causalidade e a incapacidade total para o trabalho, o Tribunal Regional da 1ª Região condenou a Petrobrás a indenizá-lo em R$ 100 mil, decisão mantida pela Sexta Turma do TST, que rejeitou recurso da empresa para reduzir o valor.

As parcerias e desinvestimentos em curso na Petrobrás fazem crescer a insegurança e os transtornos psicológicos dos funcionários.

No início de 2012, foi iniciada uma campanha publicitária pelo Sindipetro-NF intitulada “Chega de usar Mordaça”, que merece destaque, posto que a mesma estimulava os petroleiros e petroleiras a denunciarem todas as situações de insegurança a que são submetidos – os riscos, as subnotificações, os casos de assédio, as falhas de hotelaria, entre outros. A campanha tentava conscientizar os petroleiros de que, ao permanecerem calados, eles colocariam em risco não somente a sua vida, mas a vida de todos.

Consideramos a campanha uma medida de suma importância, visto que essa mudança de atitude por parte dos trabalhadores é fundamental para transformar os fatores que interferem no processo saúde/doença/trabalho.

O Sindipetro Duque de Caxias realizou um estudo sobre efetivo mínimo na Reduc, envolvendo os trabalhadores da refinaria, onde ficou comprovado o desastre do O&M que a Petrobrás fez, sem ouvir a força de trabalho. O estudo embasou as ações do Sindicato e foi utilizado como subsídio na cartilha lançada em julho de 2017, com orientações detalhadas para os trabalhadores sobre a NR-20.

Essas e outras iniciativas sindicais têm sido fundamentais nos embates da FUP com os gestores da Petrobrás para garantir condições seguras de trabalho. O desmonte da empresa e os ataques aos direitos da categoria são fatores que aumentam consideravelmente o risco de acidentes e doenças. A entrega da Petrobrás ao capital estrangeiro gera um  assédio moral coletivo e devastador em toda a categoria. Mais do que nunca, a luta por saúde e segurança precisa ser priorizada e incorporada pelos petroleiros e petroleiras em seu dia-a-dia.