Um muito estranho país terceirizado

É só deixar a ficha cair; ser mais sério do ponto de vista intelectual; analisar as coisas com um pouco mais de criticidade e reduzir a passionalidade e a prostração do pensamento e com relativa facilidade você irá perceber que as elites que governam esse país são visivelmente tacanhas, medíocres, atrasadas e sem a menor capacidade de estarem à frente dos rumos de um país destrambelhado como o nosso.

Não é questão de aparência, é essência. É gente estruturalmente perversa e sem nenhuma relação de efetivo comprometimento com esse país. São seus referenciais, é seu horizonte de país e são suas opções históricas. Não tenham dúvidas: país é coisa de povo.

O desmantelamento de todo o mundo do trabalho e que se deu ontem, 22/03/2017, por meio da terceirização irrestrita das atividades-fim das empresas é jogar contra os próprios rumos do país. Disse um deputado da direita golpista em sua frequente e enorme estupidez que “com essa medida novos postos de trabalho serão abertos”. É burrice, má fé, demagogia e escárnio! Tudo junto!

Para começo de conversa o termo da “terceirização” supostamente autoreferente é armadilha teórico-conceitual. Não é só a terceirização, aliás, é ela e as suas muitas circunstâncias. É que jamais fica apenas na “terceirização”, descamba fundo para a “quarteirização”, “quinteirização”… E por aí vai! E com a aprovação desta “modernosa” legislação já está estabelecido o “salve-se quem puder” do “negociado sobre o legislado” ou seja, agora é por conta do cliente. É como um self-service de um restaurante onde você escolhe este, aquele e aquele outro prato. Você monta o que irá comer, ao seu gosto e às suas necessidades.

Pois bem… O mundo do trabalho neste Brasil já muito informalizado e precarizado se tornou um self-service gastronômico de ponta-de-rua onde ao patrão cumpre dizer o que quer, como e da forma que quer para pagar o que bem entender. É do que se trata! Isso, meus caros, é a terceirização na pratica, esse é o seu mecanismo de funcionamento e essa será a sua historicidade.

Para que servem leis trabalhistas? Por que se resguardar o trabalho? Não precisa ser um economista de ponta ou um especialista de requintadas elaborações analíticas para identificar que as leis de proteção do trabalho são condições de desenvolvimento; é mecanismo moderno e de proteção, por conseguinte, das famílias; é espécie de reserva econômico-produtiva ante ao amplo despenhadeiro de crises de toda sorte e que sovam as economias capitalistas ou sub-capitalistas. Neste particular a proteção do trabalho em economias periféricas como a brasileira é porto seguro e que impede o aprofundamento das crises para o âmbito da vida familiar. Dá pra entender?

Tento ser mais claro! A proteção do trabalho é consequentemente, a proteção do trabalhador, do seu cotidiano e do seu necessário consumo; consumo, por sinal, que se dá lá no bairro, na mercearia da vila, no boteco da comunidade, na feirinha da pracinha ou alguém aí acha sinceramente, que com suas rendas o trabalhador brasileiro irá entusiasmado e alvissareiro jogar de especulação nas bolsas de Nova York, Frankfurt ou Paris? Vejamos: com suas rendas garantidas por meio do cumprimento de legislações do trabalho sérias e minimamente justas é toda uma cadeia econômica que é, da mesma forma, resguardada. É a própria atividade econômica ou macroeconômica que tem na chamada economia real algum fôlego diante de um neoliberalismo arrasador e que nos precipita para o neolítico das relações do trabalho.

Que Temer e respectiva cambada são absolutamente imprestáveis, salvo a eficaz e cinematográfica drenagem de propinas e suas respectivas ocultações em contas desmembradas e submersas em paraísos fiscais, já não é novidade para ninguém; o que nos deve ser notadamente claro é que essas elites do sul/sudeste estão seccionando o país; estão arruinando com a vida social, com qualquer possibilidade de sociabilidade minimamente íntegra nesse país infame e as consequências e repercussões desse movimento são absolutamente imprevisíveis.

Já estamos em ambiente e subjetividade de guerra civil; o ódio corre solto e seu represamento é de impossível lida. Com alguma liderança, sistematização e povo o impossível se torna realidade, aliás, em matéria de Brasil o impossível é o corriqueiro.

 

VIA Brasil 247

por ÂNGELO CAVALCANTE Economista, cientista político, doutorando na USP e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG)