O que precisa mudar nas concessões de rádio e TV


O recente lançamento, por entidades da sociedade civil, da "Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV", sob o mote "Concessões de rádio e TV: quem manda é você", renova as esperanças de que a cidadania finalmente desperte para uma velha questão de interesse público que historicamente tem sido tratada e decidida por um reduzido grupo de atores em benefício próprio.

O conjunto de reivindicações da campanha, divulgado publicamente e encaminhado às autoridades do governo, é o seguinte:

"(a) ações imediatas contra as irregularidades no uso das concessões, tais como excesso de publicidade, outorgas vencidas e emissoras nas mãos de deputados e senadores;

(b) fim da renovação automática: por critérios transparentes e democráticos para renovação, com base no que estabelece a Constituição;

(c) instalação de uma comissão de acompanhamento das renovações, com participação efetiva da sociedade civil organizada; e

(d) convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação ampla e democrática, para a construção de políticas públicas e de um novo marco regulatório para as comunicações."

Razões para o debate

Há razões de sobra para se promover o debate sobre as concessões de rádio e TV no Brasil. Aí vão algumas:

1. Existem normas legais diferentes que regem a TV aberta, as operadoras de TV a cabo, as operadoras de TV por MMDS e por satélite. É inadiável a elaboração de um marco regulatório que uniformize essas regras.

2. As emissoras de rádio e TV aberta são concessões de um serviço público outorgadas pela União – com a participação do Congresso Nacional – por prazo determinado e sob determinadas condições. O prazo de concessão é de 10 anos para emissoras de rádio e de 15 para as de TV. Esse prazo dilatado é um dos fatores que acaba por transformar as concessões, na prática, em propriedade dos concessionários.

3. Ao contrário de outras concessões de serviço público, as regras para a outorga e renovação das concessões de rádio e TV aberta privilegiam os concessionários. A não-renovação de uma concessão precisa ser votada no Congresso Nacional por dois quintos dos seus membros, em votação nominal, e o cancelamento durante a vigência do contrato só pode ocorrer com decisão judicial. Essas condições criam uma assimetria em relação aos demais contratos de prestação de serviços públicos que precisa ser corrigida.

4. Apesar de a Constituição de 1988 definir claramente os princípios que devem orientar a produção e a programação das emissoras de rádio e TV aberta, eles não são utilizados como critério para o cancelamento e/ou a renovação das concessões. Nem é utilizada como critério a determinação constitucional de que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio. Também não é critério o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Além disso, a norma legal reza que se a concessionária requerer a renovação e não houver decisão dos órgãos competentes no prazo de 120 dias, a renovação é automaticamente deferida.

5. O vínculo histórico de deputados federais e senadores com as concessões de rádio e TV cria uma situação absurda na qual o membro de um dos poderes concedentes (o Congresso Nacional) se confunde com o próprio concessionário. Além disso, a controvérsia legal em torno da legalidade ou não de político no exercício do mandato eletivo ser concessionário de radiodifusão esconde a desigualdade na disputa política entre aquele que usa o rádio e a TV em benefício próprio e aquele que não tem acesso – ou só tem acesso parcial – a esses meios de comunicação.

6. A lei proíbe a duplicidade de outorgas. Como, no entanto, o cadastro dos concessionários do serviço público de rádio e TV não é de acesso público, na maioria das vezes não há como verificar se existe ou não duplicidade. Aliás, não se pode sequer saber quem são os concessionários.

7. Não há fiscalização adequada sobre as transferências (vendas) de concessões de rádio e TV para terceiros.