A era do trabalho barato na China acabou


O empresário Tim Hsu começou a fabricar lâmpadas há mais de 20 anos em Taiwan. E como dezenas de milhares de outros donos de fábricas em Taiwan, Hong Kong e Macau, ele posteriormente transferiu suas operações para a região de Guangdong, no delta do Rio da Pérola, no sul da China. Lá ele estabeleceu sua empresa, a Shan Hsing Lighting, num rincão sonolento de arrozais e granjas de patos denominado Dongguan. De lá para cá, a região cresceu e transformou-se na maior base industrial do mundo em uma série de setores, como os de produtos eletrônicos, sapatos, brinquedos, mobiliário e iluminação. A combinação de baixos salários, regulamentação mínima e uma moeda barata era imbatível. Hsu estava tão confiante no futuro de Guangdong como "fábrica do mundo" que investiu US$ 7 milhões em instalações maiores, que começaram a operar neste ano. 

Agora, muitos dos fabricantes chineses – entre eles a Shan Hsing – estão vivendo o tipo de reestruturação que dilacerou o coração dos EUA uma geração atrás. O mercado habitacional americano, que gerou demanda por tudo o que vinha da China – de móveis modulados a louças para banheiros-, despencou. Uma nova lei trabalhista chinesa que entrou em vigor em 1º de janeiro fez subir consideravelmente os custos em um mercado de trabalho já apertado. A disparada nos preços de commodities e energia, assim como o cancelamento, por Pequim, de políticas preferenciais para exportadores, prejudicaram os industriais. A valorização da moeda chinesa já tornou mínimas as margens, levou milhares de fabricantes para a beira da falência e pôs em risco o papel da China como o maior exportador de produtos baratos. 

A nova fábrica de Hsu está operando a apenas 60% de sua capacidade, e ele prevê que metade das fábricas de lâmpadas na China – quase todas sediadas em Guangdong – terão de fechar suas portas neste ano. "Fábricas de calçados, de roupas, brinquedos, móveis, todo mundo está fechando as portas", diz ele. Não é apenas Hsu que está alarmado. "Passamos 20 anos construindo nossa indústria – do zero até chegar a ser a uma das maiores do mundo", diz Philip Cheng, presidente da Strategic Sports, responsável por metade da oferta mundial de capacetes para motociclistas e ciclistas e dona de 17 indústrias no delta do Rio da Pérola. "Estamos morrendo." Cheng diz que já teve margens de 8%. Suas margens hoje? Quase nulas. 

É difícil levantar estatísticas abrangentes sobre o fechamento de fábricas. Mas a Federação das Indústrias de Hong Kong prevê que 10% de estimadas 60 mil a 70 mil fábricas controladas por Hong Kong no delta do Rio da Pérola cessarão suas atividades neste ano. Nos últimos 12 meses, 150 fábricas de calçados ou fornecedoras dos calçadistas fecharam as portas em Dongguan, segundo a Associação de Calçadistas Asiáticos. Mais indústrias ainda vão desaparecer com o desaquecimento da demanda. Jonathan Anderson um analista do UBS espera um crescimento geral das exportações de apenas 5% ou menos para a China neste ano. 

As autoridades econômicas chinesas até agora manifestaram pouca preocupação. Os encerramentos de atividades estão atingindo predominantemente os exportadores que agregam menos valor, que são intensivas em mão-de-obra, que geram muita poluição e que usam energia ineficientemente. Pequim agora quer indústrias mais limpas, que fabriquem produtos de mais qualidade para o mercado local, de automóveis e aviões a produtos de biotecnologia e software. Essa ênfase não apenas ajuda a incrementar o consumo doméstico – um objetivo nacional crucial – como também reduz fricções internacionais resultantes do cada vez maior superávit comercial. "Não estamos abandonando os (exportadores)", disse Huang Huahua, governador de Guangdong em 8 de março. "(Mas) vender no mercado interno é bom para o país, bom para o coletivo e bom para o povo." 

Ainda assim, as mudanças na base de manufatura provavelmente impactarão mais e serão sentidas mais amplamente do que acreditam as autoridades. Até agora, a maioria dos fechamentos de fábricas aconteceu em Guangdong, mas as dificuldades não estão limitadas à região. Quando mais de uma centena de fábricas pertencentes a sul-coreanos fecharam as portas durante o Ano Novo chinês na Província oriental de Shandong, a 1,5 mil km do delta do Rio da Pérola, milhares de trabalhadores ficaram sem emprego – e os salários não foram pagos. 

As maiores companhias multinacionais também podem estar repensando sua situação. Um relatório da Câmara Americana de Comércio em Xangai detectou que mais de metade dos fabricantes estrangeiros na China acredita que o país está perdendo sua vantagem competitiva em relação a países como o Vietnã e a Índia. Quase 20% das empresas pesquisadas analisam as possibilidades de deixar a China. "O que há de notável nisso é que a globalização é pra valer – e a China não é mais a mesma", diz Ronald Haddock, vice-presidente na consultoria Booz Allen Hamilton, que escreveu o relatório. 

A alta do yuan pode ser o maior fator individual a induzir uma realocação das companhias. Mas as políticas de outros governos estão contribuindo para a crise. No ano passado, Pequim decidiu reduzir ou anular descontos tributários sobre mais de 2 mil itens usados para produzir bens exportados. O impacto tem sido enorme. 

Agora, uma nova e dura legislação exige que as empresas dêem benefícios aos empregados, entre eles, aposentadoria; assegurem direitos de negociação coletiva de contrato de trabalho; e façam contratações de longo prazo. Isso "está gerando um caos", diz Ben Schwall, presidente da Aliya International, uma companhia em Dongguan que faz inspeções de qualidade para o setor que fabrica equipamentos para iluminação. A lei está provocando um aumento das despesas operacionais de até 40%. "Sabíamos que seria um ano difícil, mas ninguém previu um crescimento de 40% nos custos", diz Willy Lin, vice-presidente do Conselho Têxtil de Hong Kong. 

Para muitas companhias, a resposta está fora da China. No início de março, a Hebei Yong Jin Cable abriu uma fábrica na Província de Tay Ninh, no Vietnã, nas proximidades da fronteira cambojana. "Na Província de Hebei, na China, um trabalhador relativamente não especializado ganha mais de mil yuans por mês", diz Qu Huijun, diretor do projeto Vietnã em Hebei Yong Jin. "Mas no Vietnã, o valor é de aproximadamente 500 yuans. Ou seja, o custo de mão-de-obra é metade do chinês." 

A alta dos custos também está afetando decisões envolvendo terceirização por parte de grandes grifes nos setores de vestuário e calçadista. A Adidas ordenou que seus fornecedores em Guangdong analisassem regiões de custos mais baixos na China e fora do país. Por isso, a fornecedora Apache Footwear abriu recentemente uma segunda fábrica na Índia. 

Mas a transferência de operações industriais para o exterior leva tempo e custa dinheiro. Complicadas redes logísticas que cresceram em mais de uma década para suprir uma infinidade de indústrias – de fabricantes de computadores a fábricas de calçados terão de se relocar em vista da transferência das indústrias principais. 

Mesmo em países como o Vietnã, os custos trabalhistas já estão em alta, gerando escassez. outros custos podem ser bem maiores do que na China. O custo de construção da fábrica da Apache na Índia foi quase três vezes maior do que teria sido na China, estima a companhia, porque o governo indiano exigiu que fosse construído segundo estritas especificações britânicas sobre os materiais utilizados. Devido à freqüente escassez de eletricidade e água, a Apache teve também teve de criar seus próprios caros sistemas de backup para suas instalações na Índia. "A Adidas diz que devemos mudar tão rápido quanto pudermos para a Índia. Mas a produtividade na Índia é 65% a 70% de seu nível na China", diz Charles Yang, gerente-geral da Apache. "Se acelerarmos rápido demais na Índia, poderemos dar um tiro no próprio pé." 

O receio de tropeços no exterior levou muitos fabricantes a tentar obter ganhos de produtividade ainda maiores na China. "A coisa mais importante que podemos fazer para resistir é elevar nossa eficiência", diz Li Dongsheng, presidente da TCL, importante fabricante chinês de produtos eletrônicos. Alguns estão experimentando com automação e redução da rotatividade da mão-de-obra. 

Esses esforços poderão segurar os preços de produtos exportados da China? Provavelmente não. Durante anos, os fabricantes satisfizeram as exigências das varejistas americanas no sentido de baixar seus preços. Mas agora não há mais condições, diz Charles Swindle, um vice-presidente sênior da Flora Forté, de Hong Kong, que usa mais de 20 fábricas na China para produzir seus produtos para decoração do lar. O passo seguinte é inevitável, diz Seyedin, da Câmara Americana: "haverá um aumento nos preços de calçados, têxteis e todo tipo de produtos domésticos". Alguns fabricantes tentarão encontrando locais mais baratos mais para o interior da China. 

Mas há muitos sinais de que os custos de mão-de-obra estão em alta em cidades como Chengdu, em Sichuan, e Changsha, em Hunan. Não importa para onde realoquem suas operações no Continente, os fabricantes dão de cara com as mesmas novas e rigorosas leis trabalhistas, preços de commodities e pressões da incessante alta do yuan. "Diferentemente dos últimos 20 anos, quando a China exportou deflação, daqui para a frente, a China passará a exportar inflação", diz Peter Lau, CEO da Giordano International, varejista de Hong Kong, que tem amplas operações na China.

(Tradução de Sergio Blum).