Cumbre dos Povos em Lima: Por uma outra integração


A Convite de entidades ambientalistas do Cone Sul, a FUP participou em Lima, no Peru, da Cumbre dos Povos, evento paralelo à reunião de presidentes dos países da América Latina, Caribe e União Européia .

A própria realização do evento já é uma vitória dos movimentos sociais, pois conseguimos reunir as mais diversas entidades populares, desde campesinos a povos indígenas e trabalhadores rurais da nossa região. A Cumbre dos Povos discutiu formas de integração bem diferenciadas das propostas debatidas pelas multinacionais e muitas vezes referendadas pelos governos sem considerar as reais necessidades dos povos. Para as multinacionais, o lucro está sempre acima de tudo.

Não concordamos, por exemplo, em tratar a liberação do comércio, pura e simplesmente como vem sendo discutida no âmbito da Organização Mundial do Comércio, mantendo-se ou até reforçando-se as barreiras entre os povos. Como não lembrar os recentes conflitos entre Brasil e Espanha, onde a nação européia proibiu a entrada de brasileiros no país, sem qualquer explicação?  A Espanha só reviu em parte a situação, após darmos tratamento igual aos espanhóis que chegavam ao Brasil.

Além de contribuir no debate de questões como estas, a FUP também participou de dois painéis relacionados à energia e integração regional:

  • União Européia e America Latina, as falsas  opções energéticas frente as mudanças climáticas-Caminho da soberania energética.
  • Crise energética na America Latina e propostas no marco da integração regional.

Nos painéis, discutimos e concluímos que as atuais soluções formuladas pela maioria dos governos para enfrentar o problema energético – grandes hidrelétricas e/ou agrocombustiveis – não atendem às necessidades ambientais e climáticas, assim como não visam às reais necessidades dos povos.  Essas políticas foram formuladas sob a ótica dos grandes consumidores, empresas com intensa utilização de energia e com baixa geração de empregos, como, por exemplo, a indústria que produz alumínio para exportação no Brasil. Nos atuais projetos de geração de energia, não se discuti a  extrema desigualdade entre os europeus, cujo consumo per capita  é cerca de seis a sete vezes o consumo médio da América Latina. Mesmo assim, ainda se pensa em modelos exportadores.

Nos debates travados em um dos painéis em que participamos, ficou patente os impactos negativos dos agrocombustíveis.  Além do caso dos Estados Unidos, onde o milho que era usado na alimentação passou para produção de etanol, podemos citar como exemplo o Brasil, onde a a cana de açúcar (álcool) e a soja (“biodiesel”) têm empurrado a pecuária para o pantanal e para a Amazônia, devastando o meio ambiente (1).

Concluímos que são bem vindos os exemplos de retomada de soberania dos povos, como a nacionalização na Bolívia e na Venezuela, mas, acima de tudo, é necessária a resistência dos povos para mudar o modelo, não só de produção, mas de consumo. Na América Latina, apenas 15% da energia produzida vai para o consumidor residencial. Enquanto isso, convivemos na região com inúmeras famílias que ainda utilizam lenha para cozinhar.

 Entendemos ainda que a integração no continente é fundamental,  pois o desenvolvimento de projetos apenas sob a ótica de cada país isoladamente certamente não será sustentável em termos ambientais e não garantirá a inclusão dos mais pobres.

É preciso, acima de tudo, democratizar as discussões sobre energia. É direito da sociedade organizada e dos trabalhadores exigir o respeito ao meio ambiente, como também levar em consideração sempre a situação das famílias desabrigadas por projetos de geração de energia, que geralmente não beneficiam as comunidades onde são implantados, causando imensos impactos negativos. É o caso, por exemplo, das megas hidrelétricas do Rio Madeira na Amazônia. No Brasil, temos cerca um milhão de pessoas atingidas pelas barragens, onde 70% não receberam nenhum tipo de indenização, conforme denunciam os companheiros do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).

A FUP apresentou durante os debates a situação dos trabalhadores do setor petróleo no Brasil, onde, em média, dois trabalhadores morrem por mês, vítimas de acidente de trabalho somente no Sistema Petrobrás. Certamente, tal qual o meio ambiente e as famílias atingidas pelas barragens, os trabalhadores são vitimas de um modelo exportador que visa atender os grandes consumidores (indústrias) e têm no lucro o objetivo principal.

Por isso, conclamados:

Energia não pode ser tratada como mercadoria. Energia é um bem social e, como tal, deve ter controle da sociedade, através de projetos que visem à integração energética sob a ótica dos povos. Por tudo isso, exigimos a democratização dos projetos e dos modelos.

Há que se registrar ainda, que durante o evento tivemos uma seção do Tribunal Permanente dos Povos, que apreciou os crimes contra os direitos humanos e o meio ambiente, cometidos por multinacionais européias em nosso continente, como, por exemplo, a Singenta no Brasil.

(1) Esse processo de empurrar a pecuária em direção ao Pantanal e à floresta amazônica é agravado pela predominância da pecuária extensiva em detrimento da pecuária intensiva. Neste sentido, uma mudança no padrão de produção da pecuária no Brasil, com a intensificação da pecuária intensiva tem o poder de liberar grandes contingentes de terra para as atividades agrícolas.