Inflação é prima-irmã da especulação – Salário não tem nada com isso


Começam a pipocar na grande imprensa matérias que apontam os reajustes salariais como um dos fatores que pressionam a inflação. O ponto de partida de mais essa campanha conservadora foi dado por um dos diretores do Banco Central, que em entrevista no final da semana passada disse que "se há aumento de salário sem elevação da produtividade, há pressão inflacionária". Esse risco não existe, como veremos adiante.

A partir daí repórteres e analistas passaram a dar eco à tese, que se replicada à exaustão pode convencer muita gente de que a culpa da inflação é do trabalhador que conseguiu aumento real. O noticiário da TV até mesmo ressuscitou a palavra "indexação" para se referir ao assunto.

Em primeiro lugar queremos deixar claro que somos contra a volta da inflação, pois sabemos que a primeira a ser atingida é a classe trabalhadora.

Em seguida, é importante frisar que os aumentos reais que temos conseguido desde 2004 não pressionam a inflação, por motivos bastante simples:

     

  • faz 14 anos que os salários não são indexados no Brasil, ou seja, não há mais nenhum mecanismo que repasse automaticamente aos salários a corrosão inflacionária;
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  • no momento da desindexação dos salários, em 1994, a URV entrou em cena após aumento médio de preços que ultrapassou 400%, enquanto os salários permaneceram estagnados no patamar anterior. Tarifas públicas e contratos em geral, estes sim, não foram desindexados
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  • nossas campanhas salariais são anuais e, portanto, não têm como referência picos inflacionários sazonais. Por tal característica, não funcionam como puxadores de preços. Ao contrário, nossas campanhas salariais contemporâneas apostam na estabilidade;
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  • os reajustes recentes recompõem poder aquisitivo. Nunca embutem expectativa de inflação futura;
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  • os reajustes salariais dos últimos anos ainda permanecem abaixo dos ganhos de produtividade de todos os setores de atividade. A indústria, em 2007, aumentou a produtividade em 4,16%. No acumulado dos últimos 15 anos, a produtividade do setor cresceu 150%;
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  • em 2007, o rendimento médio do trabalhador cresceu 1,3%. O rendimento mensal médio dos brasileiros, apesar do recente processo de recuperação – conquistado com muito esforço – ainda é semelhante ao que possuíamos em 2003. Em certas regiões metropolitanas, como São Paulo, é inferior. Os dados estão todos no Anuário dos Trabalhadores, do Dieese;
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  • a comparação entre produtividade nacional e rendimento médio dos assalariados comprova uma situação extremamente injusta, pois os ganhos não são divididos com seus principais autores, os trabalhadores. Querer imputar aos reajustes a causa de pressões inflacionárias é uma piada grosseira.

O que estamos assistindo hoje, segundo demonstram diversos estudos, é a elevação de produtos alimentícios, especialmente em função da subida do preço do petróleo, causada pela especulação internacional.

Fora isso, há diversos setores do empresariado brasileiro especulando com estoques, à espera de elevação mais acentuada de preços. Tantos outros, por sua vez, estão elevando preços sem razões objetivas para tanto, contando apenas com a inflação futura. Isso é um cassino, uma roleta-russa apontada para a cabeça dos brasileiros que vivem de sua força de trabalho.

O governo federal tem o papel de combater essas práticas, e tem instrumentos para isso. De pronto, já podemos lembrar do uso de estoques reguladores e do recurso à importação emergencial. No médio prazo, outro instrumento deve ser o incremento da produção de alimentos a partir da agricultura familiar e da diminuição de nossa dependência da produção de fertilizantes.

Queremos salários mais fortes e distribuição de renda, fatores que geram maior consumo popular e desenvolvimento. Paralelamente, mais produção e menos especulação. Menos juros e mais desenvolvimento. Com esses objetivos, nos próximos dias faremos atos em frente à Fiesp, a um grande atacadista e a um grande banco.