Não à Terceirização: Pela Vida das Mulheres

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“Uma fiscalização realizada em São Paulo pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal (PF) encontrou em uma oficina clandestina 13 costureiros bolivianos costurando peças de roupa da Fenomenal. (…) segundo informações do MPT, a oficina também servia de moradia e refeitório, e lá ficavam, inclusive, crianças e bebês, filhos dos trabalhadores. Relatório da procuradora do Trabalho Christiane Nogueira, que participou da diligência, aponta que os costureiros praticavam jornadas extensas e que eram péssimas as condições de segurança e saúde dos trabalhadores: roupas e tecidos obstruindo as passagens, não utilização de equipamentos de proteção individual, cadeiras e máquinas em desconformidade com as regras e condições ergonômicas, instalações elétricas precárias, iluminação insuficiente, exposição a fios, presença de crianças e bebês no local de trabalho.” (Repórter Brasil, agosto de 2013)[1]

“Fiscalização encontrou duas bolivianas em condição de trabalho escravo no meio urbano e providenciou abrigo às vítimas. Submetidas a uma rotina de violências físicas e morais, elas costuraram exclusivamente para a marca 775. “ (Repórter Brasil, novembro de 2010)[2]

“Vários problemas graves no campo de saúde e segurança do trabalho também foram detectados. As instalações elétricas estavam completamente irregulares. Os extintores, com a carga vencida, ficavam ao lado de tecidos amontoados, com alto risco de incêndio, Cadeiras não respeitavam padrões mínimos de qualidade.  Uma criança, filha de uma das operárias, estava exposta a acidentes com o maquinário. As jornadas de trabalho começavam às 7h e chegavam a se estender até às 21h. (…) os alojamentos também não seguiam normas básicas. Em apenas um cômodo mal iluminado nos fundos de um dos imóveis, construído para ser uma cozinha sete pessoas dormiam em três beliches e uma cama avulsa. Infiltrações, umidade excessiva, falta de circulação de ar, mau cheiro e banheiros precários completavam o cenário de incorreções. Não havia separação adequada das diversas famílias alojadas na mesma construção. ” (Repórter Brasil, 17 de março de 2010)

Os relatos acima fazem parte do cenário encontrado pelos Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho em ações que buscam responsabilizar as empresas pelas condições de trabalho análogas à escravidão encontradas em suas cadeias de produção. Na maioria das vezes, as empresas são responsabilizadas e obrigadas a ressarcir os trabalhadores envolvidos na exploração e em situações precárias. No entanto, com o Projeto de Lei 4330, que regulamenta a terceirização, cenários como esse não serão exclusivos da cadeia produtiva da indústria da confecção envolvendo imigrantes, mas uma corriqueira relação de trabalho, inclusive regulamentada e isentando as empresas de responsabilização. 

A terceirização na atividade fim recém aprovada na Câmara dos Deputados é parte das estratégias de reestruturação da produção como uma das maneiras de reduzir os custos na produção de mercadorias e no oferecimento de serviços, criando arranjos para a externalização de partes do processo produtivo para outras empresas.

Essa prática vem sendo implementada envolta por um discurso que encontrou muito eco durante os anos 1990, quando o neoliberalismo se apresentou como a mais nova solução para o desenvolvimento dos países. A terceirização seria parte de um processo de inovação e modernidade, e supostamente seria capaz de gerar mais postos de trabalho. As empresas capazes de trabalhar em um alto ritmo de produtividade, com custos reduzidos de mão-de-obra, tornaram-se sinônimo de eficiência.

Ao contrário do discurso da inovação, a terceirização e a fragmentação das etapas do processo produtivo representaram no Brasil:  precarização das relações de trabalho, aumento da jornada, redução de salário, diminuição das contratações e informalidade.

Durante os anos 1990 o que era considerado trabalho formal, assumiu diferentes formas, como o trabalho autônomo, temporário, de cooperativas, terceirizado e em domicílio. Além disso, no final da década o desemprego atingiu a marca dos 70%.

Analisando o caso da indústria de confecção em São Paulo, podemos perceber a relação existente entre terceirização e trabalho informal. As tarefas antes realizadas dentro de fábricas, por um número determinado de funcionários, atualmente são executadas por inúmeras empresas, as quais, por sua vez, são capazes de negociar com atores que vão  desde corporações  globais  a  pequenas  empresas  –  que  operam  inclusive  através  de  redes  de vizinhança ou unidades familiares. As terceirizações têm sido uma das estratégias na gestão da mão-de-obra desse ramo, o que tem significado o crescimento da  utilização  de  trabalho informal nas atividades produtivas, neste caso, no setor da costura.

De acordo com os defensores da terceirização, a sua regulamentação traria mais “vantagens” para as empresas, afinal há uma transferência dos riscos para as outras empresas, na medida em que são contratadas conforme haja demanda da produção. Dessa maneira, as grandes empresas se veem livres de responsabilidades com seus funcionários e dos encargos trabalhistas quando não há demanda para seus produtos.

No caso da indústria da confecção, o ponto alto da produção ocorre entre os meses de agosto a novembro, tendo como fim as vendas de fim-de-ano.  O período de baixa produção ocorre entre janeiro a março. Para os empregadores de costureiros, os meses de baixa produção são angustiantes, pois é necessário manter o pagamento do aluguel de sua residência e/ou oficina e a alimentação de seus familiares e empregados.

Muitas costureiras, funcionárias das antigas fábricas de costura, ao serem demitidas organizaram em suas casas pequenas oficinas de costura, em que aceitam as encomendas das grandes marcas e fazendo o mesmo trabalho ganhando metade do valor, e por sua vez subcontratam outras costureiras. Essas trabalhadoras trabalham num regime de produção por peça, e não por hora de trabalho. Isso significa, que as jornadas de trabalho são exaustivas, 12, 13, 14 horas de trabalho para atender aos curtos prazos de produção exigidos por seus clientes, em geral grandes empresas.  

Assim como ocorreu com grande parte da indústria da confecção, a terceirização afetará significativamente os postos de trabalho que são ocupados por trabalhadores menos qualificados e com baixa escolarização, que por sua vez são ocupados majoritariamente por mulheres. Além disso, as categorias profissionais melhor organizados que obtiveram avanços salariais e benefícios sociais como vale alimentação, auxílio creche, ampliação da licença maternidade, serão alvo da terceirização.

Na maioria dos casos as empresas descontam dos salários de seus empregados e empregadas o imposto referente ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), no entanto, o valor correspondente não é repassado a União, o que causa inúmeros prejuízos aos trabalhadores e trabalhadoras no momento da aposentadoria, pois pela atual legislação só é possível aposentar pelo tempo de contribuição. O mesmo acontece com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em que as empresas não fazem o depósito pelo quais são responsáveis e no momento de demissão e os trabalhadores e trabalhadoras não tem acesso ao seguro desemprego.

Nesse aspecto, a precarização desses postos de trabalho resultará em perdas salariais e benefícios sociais que são utilizados pelas trabalhadoras e por suas famílias. As mulheres, sendo reconhecidas como responsáveis por zelar pelas necessidades básicas do lar e da família trabalharão muito mais horas com a intenção de recompensar o acesso reduzido a esses serviços.

A busca por um segundo emprego, por meio de bicos e trabalho informal tende a aumentar e também as suas responsabilidades em relação ao trabalho reprodutivo. Afinal, o sistema socioeconômico depende desse trabalho que é realizado no espaço doméstico. A função básica dos lares como o espaço em que se dá a organização da vida, como a alimentação, o cuidado com saúde e higiene de idosos e crianças e a socialização, são tarefas atribuídas às mulheres, seja ela a mãe, tia, avó, sobrinha ou irmã.

Diante disso, a divisão sexual do trabalho é parte estruturante dos processo de terceirização, na medida em que homens e mulheres experimentam de maneira desigual seus efeitos, acirrando relações de poder no mercado de trabalho e na família. A estratégia das mulheres para enfrentar as dificuldades econômicas será o aumento de sua carga de trabalho no espaço doméstico e sua entrada no mercado informal.

A Central Única dos Trabalhadores tem travado uma incansável luta pela derrubada do projeto de Lei 4330, porque é nefasto para homens e mulheres trabalhadores. Lutamos pelo trabalho decente, sem terceirização, precarização e informalidade, por uma valorização do trabalho das mulheres no espaço doméstico, por políticas públicas que garantam o real compartilhamento das tarefas domésticas e familiares.


[2] http://reporterbrasil.org.br/2012/07/especial-flagrantes-de-trabalho-escravo-na-industria-textil-no-brasil/