‘Se mexer na aposentadoria do campo, haverá revolta’, alerta MST

Em coletiva de imprensa, no Sindicato dos Jornalistas, nesta terça-feira (02.02), João Paulo Rodrigues e João Pedro Stédile, lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apresentaram a Carta de Caruaru, que reúne as perspectivas do movimento neste 2016. E passaram o recado:

“Se inventar de mexer na aposentadoria do campo, haverá revoltas populares em todos os municípios brasileiros contra as mudanças e contra o governo. E mais: o governo não é dono da Previdência. A Previdência é do povo brasileiro, portanto quem deve discutir a previdência é a sociedade”.

Crítico à política de ajuste fiscal, adotada pelo governo, Stédile destacou que a Previdência Rural é um fator de justiça social no Brasil. “Talvez seja um dos únicos benefícios que os trabalhadores rurais recebam ao longo da vida. E o governo agora quer mexer na idade mínima de aposentadoria. ”

Além da Carta de Caruaru, resultado do último encontro da coordenação do MST que reuniu 400 dirigentes, eles também apresentaram a Carta à Presidenta Dilma Rousseff, que elenca uma série de compromissos “pendentes” e não firmados, desde o encontro do movimento com a chefe de Estado, em dezembro de 2014.

Entre os pontos reivindicados: a prioridade no assentamento de mais de cem mil famílias que hoje se encontram acampadas no país.

Cortes no Orçamento

João Paulo Rodrigues destacou que, embora tenha havido assentamentos ao longo do ano, a presidenta Dilma não assinou sequer um decreto de desapropriação de terra para a reforma agrária. “A desapropriação é o melhor instrumento de combater a concentração de terra no país, porque tira [a terra] do latifúndio e passa para as mãos dos trabalhadores”, explicou.

Citando as reivindicações da Carta, Stédile avaliou 2015 como um ano perdido: “o governo não fez nada. O Seu Levy cortou 60% do orçamento da Reforma Agrária”. Mas, ele também elogiou algumas medidas, como o aceno de que o governo fará o reajuste – corrigido pela inflação – dos valores do Imposto Territorial Rural (ITR).  Metade do tributo é destinado ao Incra, a outra metade vai para as prefeituras. Há sete anos, porém, o imposto pago pelos proprietários de terra não sofria reajuste.

Em 2015, o ITR, pago pelos fazendeiros sobre a propriedade de 300 milhões de hectares, chegou a R$ 800 milhões no último ano. “Em geral, um bairro aqui em São Paulo paga R$ 1 bilhão de IPTU. Os fazendeiros pagam R$ 800 milhões pela propriedade de 300 milhões de hectares. Isso não dá nem uma Coca-Cola por hectare ao ano”, comparou.

Lula e Dilma

A tentativa de impeachment da presidenta Dilma e a campanha midiática contra o ex-presidente Lula entraram na pauta. “O MST não compactua com a ideia de impeachment”, salientou Rodrigues, defendendo o processo democrático e constitucional no país. Ele afirmou que o movimento vai às ruas para defender o mandato da presidenta e, também, para questionar o governo e pressionar pela Reforma Agrária.

Em sua fala, Stédile deu exemplos do “linchamento midiático” contra o ex-presidente Lula. “O verdadeiro objetivo da burguesia brasileira não é prender o Lula. Ninguém sabe quais seriam as reações do povão [se isso acontecesse]. Eles estão tentando desmoralizá-lo aos olhos da massa desinformada para impedir a sua candidatura em 2018”.

Ele frisou que todos os ex-presidentes da República têm apartamentos muito mais luxuosos do que o apartamento do ex-presidente petista. “Ninguém fala do apartamento do Fernando Henrique”, apontou, lembrando também da fazenda do tucano. “Como um senador que nunca viu um pé de melancia compra [uma fazenda de] 1.200 hectares?”.

Na época, lembrou Stédile, a Odebrecht construiu uma pista de pouso, “onde pode descer Boeing”, próxima à fazenda do ex-presidente tucano. “Está lá a pista, nem aeroporto é”.

Venda de terras a estrangeiros

Na Carta à Presidenta Dilma, o MST alerta sobre alguns projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, exigindo um posicionamento da chefe de Estado. Entre eles, o projeto que visa alterar a lei que regula a venda de terras para estrangeiros no Brasil. “Não só o MST, mas todos os movimentos do campo, somos frontalmente contrários a qualquer alteração da atual lei”.

Hoje, explicou Stédile, a lei limita a aquisição de terras estrangeiras em dois parâmetros: “em termos de volume, não deveria ser mais de 1.500 hectares por fazenda; e limita, também, em 25% da área total de um município”. Os ruralistas pressionam por mudanças, afirmando que desde a publicitação do parecer da Advocacia Geral da União (AGU), que implementou esses limites, os investimentos estrangeiros frearam.

No exterior, explicou Stédile, “existe um volume muito grande de capital financeiro especulativo, na forma de dinheiro, que as empresas querem transformar em patrimônio para se proteger da crise. Eles correm para a América Latina para transformar isso em terra, usinas, minérios… Em terras, eles não conseguiram avançar depois do parecer da AGU”.

Apontando as “traquinagens” do capital estrangeiro para burlar a lei brasileira, o líder do MST citou o exemplo do Estado de São Paulo, dando nome e sobrenome: “Cargill, Bunge, ADM, Dreyfus e Shell”.  Stédile contou que durante o boom do etanol, no segundo mandato Lula, “o capital estrangeiro saiu pelo estado paulista comprando usinas”.

Burlando a lei

“Mas, eles não mudavam o registro lá no Incra. No Incra, a usina é ainda do `Junqueira Meirelles sei lá o quê´, enquanto o acionista principal é uma multinacional. No cadastro da usina, ela tem 50 mil hectares e é dona de metade do município. Como não se atualiza [o cadastro] e eles são ´acionistas majoritários´, essa é maneira deles burlarem a lei. A terra não está no nome deles, mas no nome da usina. Eles são donos da usina”, detalhou.

Citando o exemplo da Bunge, maior empresa sucroalcooleira de São Paulo e do Brasil, Stédile lembrou que a empresa tem um ex-ministro do Fernando Henrique como presidente: Pedro Parente. “A burguesia joga bem com seus peões”, avaliou. “A Bunge tem milhares de hectares, mas ela não aparece como proprietária de terra. Ela é dona de, no mínimo, umas 30 usinas em São Paulo.”

Segundo Stédile, mesmo com essa “malandragem”, os ruralistas “sub-colonizados e pau-mandados do capital”, enviaram por meio de sua bancada no Congresso, a bancada ruralista, um projeto para a Câmara dos Deputados que libera a compra de qualquer quantidade de terra por estrangeiros, derrubando o parecer da União e a lei. “Esse projeto está em curso no Congresso”, alertou.

“Estatal chinesa tem direito a ter terra e o sem terra brasileiro não tem?”

Ele relatou que, em novembro de 2015, a ministra Kátia Abreu (Agricultura, Pecuária e Abastecimento), representando o setor dos ruralistas, chamou uma reunião no governo para discutir o tema. “Foram todos os ministérios envolvidos do governo, Exército, MDA, Agricultura etc. E pasmem: dentro do governo houve divisão. A AGU continuou com a sua posição, o MDA claro também foi contra; e do outro lado, está a Kátia Abreu”.

Segundo o líder do MST, o que desequilibrou as forças governistas na reunião foi a posição das Forças Armadas, frontalmente contrárias à mudanças na atual legislação. “O Exército é contra o projeto dos ruralistas. Nós vamos rezar todas as noites um Pai Nosso para que pelo menos o Exército brasileiro defenda a nossa soberania”, ironizou.

A ministra Kátia Abreu chegou, inclusive, a apresentar uma contraproposta: a liberação da compra de terras aos estrangeiros em até 250 mil hectares. “Haja paciência, eles acham que a gente tem sangue de barata”, comentou Stédile, citando o exemplo do latifúndio improdutivo em São Lourenço do Sul (RS), que se encontra nas mãos de uma estatal chinesa. “Então, uma estatal chinesa tem direito a ter terra e o sem-terra brasileiro não tem?”

“Espero, honestamente, que as Forças Armadas brasileiras nos ajude porque isso fere, de fato, a soberania nacional”, concluiu.

Um ano de luta

Neste 2016, quando se completam duas décadas de massacre do Eldorado dos Carajás, os líderes do MST garantiram: as mobilizações e ocupações de latifúndio improdutivos vão se intensificar. “Nós vamos nos mexer. Nossa expectativa neste ano é voltarmos a ter um Abril Vermelho”, afirmou Stédile.

As jornadas do MST se iniciam em 8 de março com a marcha das mulheres camponesas. Durante os meses de março e abril, o movimento vai se dedicar a ocupações de latifúndios improdutivos. O Movimento também programa o retorno das marchas em todas as capitais do país até o 1° de Maio.

Fonte: Carta Maior