Diretor da Petrobrás, ex-Shell, usa informações enganosas para privatizar US$ 21 bi até o fim de 2018

Por Cláudio Oliveira, economista aposentado da Petrobras, e Felipe Coutinho, engenheiro químico e presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)

O Diretor de Estratégia da Petrobras, Nelson Silva, tenta convencer os funcionários de que é preciso privatizar US$ 21 bilhões até o fim de 2018.

Para isso apresentou informações incompletas sobre as multinacionais privadas, esqueceu mais uma vez da Shell e repetiu falácias sobre a Petrobras.

Os petroleiros já sabem que o verdadeiro objetivo da atual gestão é a privatização, por partes, dos ativos rentáveis da Petrobras.

Sabemos que a escolha do indicador de alavancagem, da meta de 2,5 e do prazo de 2018 são arbitrários.

São as consequências da meta de privatização e não o contrário.

Trata-se de uma falácia, de inversão de causa e efeito, que é repetida muitas vezes.

O termo falácia deriva do verbo latino fallere que significa enganar.

Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro.

Na lógica e na retórica, uma falácia é um argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega.

Argumentos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte do público apesar de conterem falácias, mas não deixam de ser falsos por causa disso.

Inversão de causa e efeito

O Diretor Nelson Silva apresenta o efeito como se fosse a causa.

Tenta nos iludir que a redução da alavancagem de 3,2 para 2,5 até o fim de 2018 – seguida de redução maior até 2022 — é adequada, e por isso seria preciso privatizar US$ 21 bilhões em ativos da Petrobrás até o fim do ano.

Na verdade, é exatamente o contrário.

A meta de se privatizar os US$ 21 bilhões até o fim de 2018 é que causa a escolha do indicador de alavancagem como estratégico e da sua redução para 2,5 neste prazo.

Meta financeira do PNG 2018-2022 da Petrobras

(Petrobras, Plano de Negócios e Gestão 2018-2022, 2018)

Argumentos do Diretor Nelson Silva

O Diretor de Estratégia da Petrobras, Nelson Silva, deu entrevista para divulgação na rede interna (intranet) e tentar justificar a privatização dos US$ 21 bilhões prevista no plano de negócios 2018-2022.

Usou os seguintes argumentos:

1 — A Petrobras precisa reduzir a alavancagem (razão Dívida líquida/Geração de caixa) para o mesmo patamar das multinacionais integradas que, segundo ele, varia entre 1,4 e 1,6.

2 — A Petrobras precisa reduzir o pagamento de juros anuais para o mesmo patamar das multinacionais privadas que, segundo ele, varia entre 1,0 a 1,5 bi US$ anuais.

Vamos analisar os argumentos.

Alavancagem da Petrobras e das multinacionais privadas “majors”

Segundo o Diretor, a alavancagem das multinacionais varia entre 1,4 e 1,6.

Ele afirma ainda que a Petrobras deve buscar essa mesma condição.

O endividamento é resultado do uso de capital de terceiros para implantação de projetos.

É preciso ter bons projetos, além das reservas de petróleo, para que esse capital seja usado para o crescimento da produção e da geração de caixa.

Quando a alavancagem resulta em aumento da receita, o pagamento da dívida é mais fácil.

Entre as “majors” destacamos a Shell que fez investimentos relevantes nos últimos anos.

A Shell comprou a BG, cujo CEO era o próprio Nelson Silva, em 2016.

A Shell declarou que o objetivo era acessar as reservas do pré-sal.

Isto provocou um crescimento de sua dívida com consequente aumento de gastos com juros.

Não é a primeira vez que o Diretor Nelson Silva “esquece” da Shell ao apresentar os dados dos concorrentes da Petrobras.

O diretor disse que a alavancagem das multinacionais integradas varia entre 1,4 e 1,6, mas a Shell apresenta 1,92 em 2017, vindo de 3,64 em 2016, condição similar à da Petrobras naquele exercício.

Disse também que pagam entre US$ 1,0 e 1,5 bilhões de juros por ano, enquanto a Shell pagou US$ 4,0 bilhões em 2017.

Trata-se de argumentação ideológica, aquela que age por meio de convencimento mascarando a realidade.

Dessa apresentação parcial da realidade, desconsiderando a Shell, o diretor tenta nos induzir que seria lógico que a Petrobras precisa reduzir a dívida e o pagamento de juros anuais para os patamares apresentados como gerais, apesar de parciais.

Não é preciso vender ativos para reduzir a dívida da Petrobras

A Petrobras não precisa vender ativos para reduzir seu nível de endividamento.

Ao contrário, na medida em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo à geração futura de caixa, além de assumir riscos empresariais desnecessários.

A meta de alavancagem de 2,5 poderia ser atingido em 2020-21, sem vender ativos, mas a atual administração antecipou a meta de 2020 para 2018.

Acreditamos que a verdadeira meta é privatizar os US$ 21 bilhões até 2018.

Para atingir tal objetivo se define o indicador, a meta e o prazo arbitrariamente, ou seja, a alavancagem de 2,5 até 2018.

O fracasso da gestão das multinacionais do petróleo e as lições para a Petrobras

As maiores multinacionais de capital privado do setor do petróleo não repõem suas reservas na taxa que são esgotadas, têm produção declinante, apresentam resultados financeiros fracos, e perderam boa parte de sua capacidade tecnológica, ao terceirizar suas atividades às empresas prestadoras de serviço.

Em uma palavra, definham.

Entre as principais causas, a adoção de modelo de negócios baseado em premissas falsas, com objetivo de maximizar o valor para o acionista no curto prazo, com precária visão estratégica ao não compreender o ambiente de negócios, seguindo bovina e consensualmente planos similares baseados em informações de “consultorias independentes”, ao negar restrições socioeconômicas, além de ignorar limites naturais.

Caso a Petrobras adote modelo parecido terá o mesmo destino, em breve.

Os gastos anuais com juros são proporcionais ao endividamento das empresas, enquanto o endividamento é proporcional à quantidade de projetos e reservas a desenvolver.

A Petrobras encontrou as maiores acumulações de petróleo das últimas décadas, as “majors” as cobiçam.

Se as “majors” têm menores dívidas isso é resultado do fato de que não têm muitos projetos viáveis para investir.

Isto é preocupante pois temos assistido à queda na produção e nas reservas destas empresas há vários anos.

Produção histórica das “majors”

(WILLMARTIN.COM, 2017)

Agências de risco e custo de capital

O segundo fator que faz com que os gastos com juros da Petrobras sejam maiores são as taxas cobradas.

Enquanto a Petrobras paga juros entre 6 a 7 % ao ano, a ExxonMobil, por exemplo, paga de 0,9%aa para títulos de curto prazo até 4,1%aa no longo prazo (2046).

As agências de “rating” atribuem graus de risco às empresas de acordo com os interesses dos agentes do sistema financeiro, trata-se de um número cada vez mais restrito de corporações que também controlam as “majors”.

Recomendamos o documentário Trabalho Interno, em inglês “Inside Job”.

Vencedor do Oscar de 2011, trata da crise financeira global de 2007-2012 e foi dirigido por Charles H. Ferguson.

O filme é descrito por Ferguson como sendo sobre “a corrupção sistêmica dos Estados Unidos pela indústria de serviços financeiros e as consequências da corrupção sistêmica.”

Uma empresa como a ExxonMobil que tem Geração Operacional de Caixa e Liquidez Corrente muito inferior à da Petrobras tem classificação AAA (máxima), enquanto a Petrobras fica 12 níveis abaixo.

Recentemente a Fitch rebaixou a classificação do Brasil para BB-, que é o mesmo grau que foi atribuído à Argentina logo após o calote da dívida.

De qualquer forma, a Petrobras hoje consegue captar empréstimos com juros mais baixos do que no período em que era grau de investimento (2007/2015) diante da reconhecida importância do pré-sal brasileiro, o mesmo que Pedro Parente chegou a afirmar que tinha sido “endeusado”, mas que hoje responde por mais de 50% da produção da empresa.

Os organismos financeiros internacionais reconhecem a importância e os direitos da Petrobras no pré-sal brasileiro.

Por isto todas as vezes em que a Petrobras vai ao mercado em busca de recursos as ofertas são muito superiores à sua demanda e os juros decrescentes.

Em recente artigo, Mathew Smith, analista do site especializado OilPrice.com escreveu sob o seguinte título “Quando o boom do petróleo do Brasil começar ele pesará sobre o preço do petróleo”.

De fato, a história do pré-sal está apenas no seu começo.

Os resultados dos investimentos feitos pela companhia no período 2010/2014 vão atingir seu ápice muitos anos à frente.

Falar neste momento em reduzir a razão dívida líquida/geração de caixa é a principal forma que a gestão da empresa encontrou para iludir a população brasileira e justificar a aceleração dos leilões do pré-sal e a venda de ativos lucrativos.

Um país que descobre reservas como a do pré-sal tem de se preocupar em investir na adequada taxa do desenvolvimento da sua produção e não em índices de alavancagem.

Como disse o presidente da Shell: “Todos querem estar no pré-sal”.

A rigor, toda grande petroleira do mundo poderia, e até gostaria, de ter a dívida que a Petrobras tem, desde que garantidos os mesmos direitos no pré-sal, o conhecimento da bacia sedimentar brasileira e as tecnologias que a estatal brasileira desenvolveu e aplicou.

A Shell segue nessa direção, comprou a BG, priorizou o pré-sal e assumiu maior endividamento para desenvolver suas participações nas reservas brasileiras.

Privatização para fazer caixa

O novo PNG 2018/2022 é uma evidência do “Entreguismo” e da atitude lesiva à pátria da atual administração da Petrobras.

Prevê a venda de US$ 21 bilhões de ativos, enquanto não prioriza a rolagem da dívida para evitar a privatização.

Pelo contrário, foi criado um novo uso chamado “formação de caixa” no montante de US$ 8,1 bilhões.

Fonte e Usos – PNG 2018-2022

(Petrobras, Plano de Negócios e Gestão 2018-2022, 2018)

Ou seja, o PNG 2018/2022 prevê um aumento do caixa da empresa de US$ 8,1 bilhões.

Mas para que a Petrobras precisa aumentar seu caixa?

No final de 2016 o caixa da Petrobras era de US$ 21,2 bilhões e o da ExxonMobil, maior petroleira do mundo e com receita 2,5 vezes maior que a da Petrobras, de apenas US$ 3,65 bilhões.

Isto é má administração ou um disfarce para justificar venda de ativos?

O quadro de Usos e Fontes registra a movimentação de recursos exclusiva no período 2018/2022.

Não considera compromissos anteriores.

O balancete fechado em Set/2017 mostra a Petrobras com um caixa de US$ 23 bilhões.

Além disto temos de enfatizar o seguinte:

1) dos US$ 13 bilhões de ativos vendidos em 2016, somente US$ 3 bilhões foram recebidos naquele exercício, e de janeiro a setembro de 2017 mais US$ 3 bilhões foram recebidos. Portanto restam US$ 8 bilhões para receber.

2) a Petrobras tem um crédito com a Eletrobrás cujo valor está em torno de US$ 6 bilhões.

3) a recente abertura do capital da BR Distribuidora gerou US$ 1,5 bilhões.

4) a também recente venda de Roncador para a Statoil gerou adicionais US$ 2,9 bilhões.

Não foi apresentado um cronograma para recebimento destes valores que somam US$ 18,4 bilhões (8+6+1,5+2,9), mas sua realização não deve demorar muito.

É bom lembrar que o recebimento destes valores não compõe a Geração Operacional de Caixa da empresa.

Considerando o saldo de caixa de US$ 23,5 bilhões em 30/09/2017 e a formação de caixa de US$ 8,1 bilhões, podemos concluir que o PNG 2018/2022 da Petrobras prevê que o caixa da companhia pode atingir o valor fantástico de US$ 50 bilhões (23,5+18,4+8,1).

Notem que não incluímos os créditos que a companhia tem com a União pela revisão do contrato da Cessão Onerosa.

Mas é preciso lembrar que a companhia constitui provisões em montante suficiente para cobrir as perdas consideradas prováveis e confiavelmente estimáveis para cobrir processos judiciais em andamento.

Em setembro de 2017 a provisão estava assim constituída:


Existem outros processos judiciais para os quais a Petrobras considera que não é provável a saída de recursos.

Para estes processos não são feitas provisões.

De qualquer forma o que fica patente é a falta de transparência da empresa na divulgação de seus números.

Os petroleiros e os brasileiros não são tolos

A atual administração da Petrobras e sua retórica ideológica e falaciosa, tanto pela inversão entre causa e efeito da meta de privatização e do indicador de alavancagem, quanto pela repetição nauseante dos argumentos, não são capazes de enganar muitas pessoas durante muito tempo.

Com relação a percepção dos petroleiros podemos recorrer à pesquisa de ambiência realizada pela Petrobrás.

A última pesquisa foi feita em janeiro/17.

Apenas 31%, dos 64% que responderam, confiavam nas decisões tomadas pela “Direção Superior”.

Ou seja, menos de 20%, um em cada cinco, responderam favoravelmente e confiantes nas decisões do presidente, conselheiros e diretores da Petrobrás.

Veja bem, a pesquisa foi realizada em janeiro de 2017.

Ao longo do ano, a confiança certamente piorou diante do resultado das privatizações da malha de gasodutos (NTS), do campo de Carcará etc. etc. e etc.

Em dezembro de 2017, a “Direção Superior” anunciou que não haveria pesquisa de ambiência em janeiro de 2018.

Para um bom entendedor… essa decisão basta para afirmar que a verdade sobre a Petrobrás foi revelada e já é auto evidente para os petroleiros.

Entre os brasileiros também, pesquisa recente apontou que 70% são contra a privatização da Petrobrás e 78% contra o capital estrangeiro na companhia.

A maioria dos brasileiros tem consciência da construção da ignorância sobre o petróleo brasileiro e a Petrobras.

Ter consciência é necessário, mas ainda insuficiente para preservar a companhia e usar nossos recursos naturais em favor da maioria.

É necessário que haja união e organização em defesa do maior patrimônio dos brasileiros.

[Via Vi o Mundo]