Balanço da Transpetro de 2018: a importância da integração vertical da Petrobras

 

Por Eduardo Costa, pesquisador do INEEP

O segmento de transporte de petróleo e seus derivados desempenha papel relevante na cadeia de petróleo e gás (exploração & produção, refino, transporte, distribuição), constituindo-se numa área de atuação das grandes empresas petrolíferas que atual de forma integrada verticalmente, buscando aumentar o  potencial de acumulação de capital por meio da garantia de acesso às fontes de matéria-prima, da redução de taxação, da ampliação das barreiras de mercado para novas empresas entrantes, do aperfeiçoamento logístico, etc.

Como alertou, Daniel Yergin, em seu livro clássico O Petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder, a história da indústria do petróleo está eminentemente ligada a formação dos grandes conglomerados empresariais (incialmente com a Standard Oil fundada pela família Rockefeller) e suas estratégias de integração vertical, sendo que a origem desse processo esteve associado a questão dos transporte (ferroviário, oleodutos, navios). Nas palavras de Yergin “o tamanho, a eficiência e as economias de escala da organização Rockefeller permitiram-lhe obter abatimentos nos fretes do transporte ferroviário; isso tronou seus custos de transporte inferiores aos dos concorrentes”.

Não por acaso, o desenvolvimento do setor de petróleo e gás no Brasil esteve articulado ao nascimento da Petrobras – empresa estatal que detinha o monopólio até 1997 – que teve como força motriz a criação do parque de refino brasileiro e de sua cadeia logística (transporte, armazenamento de petróleo e derivados) configurado em monopólios regionais com o objetivo de minimizar os custos.

Com o fim do monopólio estatal da Petrobras em 1997 (Lei nº 9.478, de 06 de agosto de 1997), fez-se necessário constituir a Transpetro (Petrobras Transporte S.A.), em 12 de junho de 1998, que atua no segmento de prestação de serviços de transporte e armazenamento de petróleo e gás e seus derivados, sobretudo por meio de dutos, terminais terrestres e aquaviários e transporte marítimo. Em 2018, a Transpetro possuía 14 mil quilômetros de oleodutos e gasodutos, 57 navios, 27 terminais aquaviários e 20 terminais terrestre que armazenam petróleo, derivados e etanol e GLP.

Parte desses ativos da Transpetro (infraestrutura logística) deveram ser privatizados junto com as refinarias do plano de desinvestimento em curso. A possível venda desses ativos operacionais, por um lado, implica na desintegração vertical da Petrobras e, por outro, reduz a capacidade de geração de caixa no médio e longo prazo da Transpetro que já vem caindo desde 2016 em virtude da crise econômica.

Os resultados financeiros obtidos pela Transpetro em 2018 foram piores do que os observados no ano anterior, situação inversa da Petrobras que obteve um lucro de R$ 25,8 bilhões em decorrência, sobretudo, do aumento do preço do petróleo em reais.

Em 2018, a Transpetro incorreu num prejuízo líquido de R$ 809 milhões, frente ao lucro de R$ 121 milhões em 2017, que foi impactado sobretudo pelos elevados impairment[1] (R$ 1,6 bilhão). Segundo as demonstrações financeiras da Transpetro, foi realizado uma avaliação da Unidades Geradoras de Caixa de Transportes – formado por 42 navios, sendo dois em construção – que sinalizou uma desvalorização dos ativos em virtude da piora das expectativas dos preços dos fretes apresentados pelos Planos de Negócios e Gestão 2019-23 da Transpetro e da Petrobras.

Quanto às vendas de serviços em 2018, ocorreram quedas de 1,4% no movimento de produtos nos terminais e oleoduto, fruto do baixo crescimento econômico e do incêndio ocorrido na Refinaria de Paulínia (Replan), e de 7,4% no movimento de gás natural.

Por outro lado, verificou-se uma expansão de 3,3% da carga transportada pelos navios, impactando no aumento da proporção de 41% em 2017 para 43% em 2018 (market-share) da carga transportada pela Transpetro, por meio de navios, em relação ao total de petróleo e derivados movimentados pela Petrobras.

Cabe destacar ainda incorporação de mais dois novos navios na frota da Transpetro em 2018 foi resultante da ampliação de 4% nos investimentos entre 2007 e 2018, no âmbito do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), uma vez que a construção de navios representou cerca de 81% da participação dos investimentos totais da Transpetro.

Esse aumento dos investimentos permitiu a ampliação de 1% da capacidade total transportada pelos navios (de 4,52 para 4,57 milhões de toneladas de porte bruto) e, ao mesmo tempo, gerou renda e emprego ao longo de 2018, já que esses navios foram construídos em estaleiros brasileiros.

A evolução das receitas de vendas e das despesas operacionais da Transpetro proporcionou um fluxo de caixa operacional de R$ 1,2 bilhão em 2018, queda de 27% em relação ao ano anterior. A redução do fluxo de caixa, atrelado ao aumento do investimento, implicou no aumento do endividamento líquido. Isso implicou no aumento da relação de dívida Líquida sobre Ebitda que passou de 2,1 em 2017 para 2,8 em 2018.

Esses resultados operacionais e financeiros negativos do balanço de 2018 da Transpetro foram uma decorrência dos impairments e de uma queda do volume de movimento dos oleodutos, decorrente da estagnação do mercado de derivados e da parada operacional não prevista na Replan.

É preciso observar que esses resultados não devem ser utilizados como argumentos para legitimar a política de desinvestimento, partindo-se do argumento que os serviços de transporte e armazenamento possuem um baixo retorno sobre o capital empregado (Roce). Isso é uma falácia, pois a utilização do Roce de forma independente para cada área da Petrobras, como uma métrica para avaliar a rentabilidade, não leva em conta os efeitos positivos de curto e longo da integração vertical.

Carmem Alveal, no seu livro Os desbravadores: a Petrobrás e a construção do Brasil, deixa isso claro ao afirmar que: “Razões de ordem econômica mais do que técnica exigem a integração vertical para realizar o elevado potencial de acumulação da indústria petrolífera, dado os riscos e custos financeiros associados a cada segmento da cadeia produtiva são diferentes”.


Nota:

[1] O valor contábil de um ativo ou de unidade gestora de caixa da empresa é avaliado anualmente ou em menor período quando há mudanças relevantes que exigem testar possíveis impairment. Os testes de impairment são realizados por meio de uma comparação do valor contábil em relação com seu valor recuperável. Sempre que o valor recuperável de um ativo individual ou unidade geradora de caixa (fluxo de caixa esperado trazido ao valor presente)  for menor que o seu valor contábil, uma perda por impairment é reconhecida para reduzir o valor contábil do ativo individual ou unidade geradora de caixa ao seu valor recuperável.

 [Artigo originalmente publicado na TN Petróleo]