A Petrobras e o inusitado acordo com o CADE

 

Privatizar as refinarias e consequentemente diminuir a diversificação da Petrobras em um momento que a indústria mundial do petróleo consolida sua posição na petroquímica é, no mínimo, questionável.

Na última semana de junho de 2019, a Petrobras anunciou o início do processo de privatização das refinarias Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul. Em meados de julho de 2019, a empresa divulgou a fase não vinculante para venda dessas refinarias, que consiste na apresentação, aos potenciais compradores, de um memorando contendo informações mais detalhadas sobre os ativos e um cronograma do desinvestimento. Não custa lembrar que, na esteira dessa medida, a Petrobras já abriu mão de boa parte da sua participação da BR distribuidora.

Para além das medidas adotadas pela companhia, o Estado brasileiro também tem atuado em favor de reduzir o espaço de atuação da estatal, principalmente na área de abastecimento. Corroboram esta afirmação a resolução N° 9 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de 9 de maio de 2019, que estabelece as diretrizes para a promoção da livre concorrência na atividade de refino no país, e o recente e inusitado Termo de Compromisso assinado entre a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em junho de 2019, que consolida a posição da Petrobras quanto às refinarias a serem privatizadas assim como define importantes parâmetros para as vendas.

Tanto a resolução do CNPE quanto o termo de compromisso assinado com o Cade direcionam o modelo a ser utilizado no processo de privatização das refinarias, com possibilidade concreta de destruição de valor para os acionistas. O CNPE, ao determinar que as refinarias devem ser vendidas em conjunto com a logística e o Cade, ao impor que nenhum comprador pode adquirir mais que uma refinaria. Entre a opção de vender as refinarias individualmente ou vender em grupo, a segunda opção garantiria um retorno bem maior à Petrobras.

Cabe destacar que este termo de compromisso do Cade teve por base um processo aberto pelo presidente do Conselho, em dezembro de 2018, para apurar suposto abuso de posição dominante no mercado nacional de refino de petróleo. Todavia, ao longo desse ano, várias instituições como o próprio Ineep e, inclusive o Cade junto com a ANP, divulgaram diversos estudados que os problemas do preço não estavam relacionados à forte presença da Petrobras no refino. Cabe aqui lembrar, inclusive, que a própria abertura do mercado da Petrobras aos importadores de derivados de petróleo, tornando o mercado interno mais sensível às mudanças na cotação internacional do barril do petróleo, foi um dos fatores responsável pela crise dos preços dos combustíveis no Brasil.

Algumas perguntas surgem sobre o termo de compromisso assinado: qual era a posição do jurídico da companhia sobre a possibilidade de a Petrobras perder esse processo no Cade? Qual a perda potencial da Petrobras pela proibição de venda das refinarias em conjunto? Esse termo de compromisso foi aprovado pelo Conselho de Administração da empresa? Se sim, qual foi o posicionamento dos representantes dos acionistas minoritários? Como a Petrobras já tinha tomado a decisão de privatizar as oito refinarias, anunciada em abril de 2019, por que ela assinou o termo de compromisso com o Cade, em junho de 2019?

Privatizar as refinarias e consequentemente diminuir a diversificação da Petrobras em um momento que a indústria mundial do petróleo consolida sua posição na petroquímica é, no mínimo, questionável. O refino não é um bom negócio para a Petrobras assim como é para as principais empresas integradas de petróleo no mundo? [1] Aqui cabe uma importante informação: das quase 130 unidades de refino transacionadas no mundo nos últimos 13 anos, menos de 20% pertenciam às empresas petrolíferas integradas como a Petrobras, e entre estas a grande maioria das vendas ocorreram em mercados periféricos. As petrolíferas integradas mantêm um forte portifólio de refino, inclusive como estratégia de integração com a indústria petroquímica.

Portanto, ao se manter essa estratégia, a Petrobras segue um caminho oposto daquilo que é praticado pelos principais players do setor de petróleo e gás no mundo.

[1] Na ExxonMobil, por exemplo, o Retorno sobre o Capital Empregado do refino foi quase quatro vezes superior ao realizado na produção de petróleo.

Por Henrique Jager, pesquisador do INEEP. Artigo publicado no Jornal GGN. Foto: Jornal GGN.