MST anuncia acampamento em Normandia (PE) para resistir a despejo

 

Na tarde desta segunda-feira (9) o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra realizou uma coletiva de imprensa para esclarecer a posição do movimento diante do pedido de reintegração de posse de uma área de 15 hectares no assentamento Normandia, na zona rural de Caruaru.

O assentamento recebeu em 2013 petroleiros de várias regiões do Brasil, durante a IV Plenária Nacional da FUP, que teve  como tema “Trabalhadores do campo e da cidade em defesa da democracia” (saiba mais). AFUP e seus sindicatos manifestam indignação com esse ataque aos assentados e expressam total solidariedade aos companheiros do MST.

pedido de reintegração efetuado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e autorizado pelo juiz Tiago Antunes Aguiar, da 24ª Vara Federal, afeta o terreno do Centro de Formação Paulo Freire e três agroindústrias dos assentados. O movimento deve recorrer ainda esta semana e, segundo os advogados do movimento, a Justiça espera que o movimento deixe a terra de forma espontânea até o dia 19 de setembro.

Em resposta ao processo, o dirigente do MST Jaime Amorim afirma que o movimento não vai se retirar voluntariamente. “Nós vamos organizar os assentados que estejam dispostos e faremos de Normandia um processo de luta importante. A partir do sábado montaremos um acampamento permanente”, disse Amorim. O movimento planeja realizar atividades políticas e culturais a partir deste sábado (14) na entrada do assentamento, às margens da BR-232, em Caruaru.

Jaime Amorim lembra que os entraves jurídicos foram sentidos desde a ocupação, em 1993. O antigo proprietário era funcionário do Ministério da Fazenda. Ao longo dos cinco anos sendo despejados e reocupando, os trabalhadores sem terra também precisaram enfrentar mais burocracia. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), sob influência do antigo proprietário, emitiu laudo técnico alegando que aquelas terras eram inférteis e, portanto, impróprias para reforma agrária. “Fizemos uma greve de fome, forçando o Incra nacional a derrubar esse laudo e fazer um novo estudo”, recorda Jaime.

Mas, das 41 famílias assentadas em Normandia, quatro não aceitaram o uso coletivo da terra. Sob liderança do Incra, abriu-se um processo. “Em 2008 o presidente do Incra nos garantiu que, independente do trâmite judicial, o órgão resolveria a situação administrativamente”, diz Jaime.

“Hoje a relação é diferente daquela de quando se abriu o processo. Essas quatro famílias convivem com o movimento em comum acordo. Existe harmonia entre os assentados e o Centro Paulo Freire, existe harmonia com a sociedade de Caruaru e de Pernambuco”, diz Amorim, pontuando ainda que os 15 hectares em litígio englobam três agroindústrias que fornecem merenda escolar para municípios do Agreste, Zona da Mata e para o Recife. “Não existe mais elemento jurídico ou administrativo. Hoje o processo não faz mais sentido. O Incra é que desenterrou isso porque quer despejar o MST”, diz Amorim.

O processo teve seu trânsito em julgado no ano de 2017, após o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) dar ganho de causa ao Incra. “Mas o órgão não se apresentou para solicitar a execução, algo que só ocorreu agora, quase dois anos depois, em agosto de 2019”, explica André Barreto, advogado do movimento. Ele avalia que o Incra não poderia estar contra um centro de ensino que beneficia os trabalhadores rurais. “Ter um centro de formação de agricultores, voltado para a educação e do qual os assentados gozam, qual o prejuízo disso à coletividade ou à reforma agrária?”, questiona o Barreto.

Por isso Jaime considera que a disputa não é mais jurídica, mas ideológica. “A política desse novo governo é de atacar o centro político das organizações. É isso que estamos sofrendo”, diz Amorim. Ele diz que o governo Bolsonaro já traçou um caminho para atacar o MST através da burocracia estatal. “Como eles podem enfraquecer o movimento? Acabando com nossas conquistas reais. Então pararam o processo de reforma agrária. E agora tentam avançar sobre nossos assentamentos, privatizando as terras, dando títulos individualmente e passando a área coletiva para o Estado”, critica.

O deputado estadual Isaltino Nascimento (PSB), porta-voz do governo estadual na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), participou da entrevista coletiva na tarde desta segunda. “O governador Paulo Câmara está ciente do caso e o Governo de Pernambuco não vai reprimir o MST. Temos instituições para mediar essa situação e estamos procurando resolvê-la”, disse o parlamentar.

Nascimento também criticou a forma como Bolsonaro está intervindo em órgãos federais, a exemplo do Incra. “Estamos vendo no país uma lógica de que as instituições precisam refletir exatamente o pensamento do presidente. Isso é autocracia e personalismo, uma ideia de que o Estado pertence a si. Está errado”, disse Isaltino. “Temos instituições consolidadas que não têm dono”, completou.

Por solicitação do deputado estadual Doriel Barros (PT), cuja base é composta por trabalhadores rurais, a Assembleia Legislativa se comprometeu a formar um grupo para mediar a situação e reunir o MST e o superintendente do Incra em Pernambuco, o coronel Marcos Campos Albuquerque, indicado ao posto pelo deputado federal Luciano Bivar (PSL).

Jaime Amorim celebrou os apoios que o MST tem recebido e disse que o Governo do Estado se comprometeu a não dar ordens para a Polícia Militar despejar o MST. “Aceitamos negociação, desde que não apresente retrocesso no que conquistamos até agora”, disse o dirigente do movimento.

Com auditório para 700 pessoas, refeitório e alojamento para 270 pessoas, o Centro de Formação Paulo Freire tem servido ao longo de duas décadas não apenas ao MST, mas a formar pessoas para o trabalho com a agricultura, sejam elas vinculadas a Organizações que atuam com a população rural, sejam estudantes universitários de cursos que atuam na terra, também como profissionais de educação e saúde que planejam atuar nas zonas rurais. O local se tornou referência para militantes de movimentos populares, sindicatos e partidos políticos de esquerda em Pernambuco e no Nordeste.

Como forma de apoio ao Centro Paulo Freire, turmas do Centro de Educação da UFPE agendaram aulas presenciais no Centro Paulo Freire para os próximos dias, assim como turmas do Instituto Federal (IFPE) de Belo Jardim. No domingo uma comitiva representando o povo indígena Xukuru do Ororubá, da cidade de Pesqueira, visitou o centro em demonstração de apoio e solidariedade.

Na coletiva de imprensa estiveram ainda as co-deputadas Jô Cavalcanti e Joelma Carla, ambas do mandato coletivo das Juntas (PSOL); o membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife Marcelo Santa Cruz; o Padre Tiago, militante da Comissão Pastoral da Terra (CPT); além de militantes de Direitos Humanos de diversos movimentos populares e instituições. Desde a quinta-feira, quando o MST tomou nota da autorização da 24ª Vara, diversos movimentos, coletivos e partidos políticos emitiram notas de repúdio ao Incra e solidariedade ao MST e ao Centro de Formação Paulo Freire.

[Via Brasil de Fato]