“Nenhuma grande petroleira compartilha a estratégia da Petrobras”, avalia coordenador do INEEP

[Do Brasil de Fato | Entrevista concedida a Guilherme Weimann, da imprensa do Sindipetro Unificado SP]

A atual estratégia adotada pela Petrobras não é compartilhada por nenhuma grande petroleira mundial. Essa é a avaliação do economista Rodrigo Leão, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep). 

Na verdade, muito mais do que uma avaliação individual, essa é uma das sínteses contidas no livro “Desinvestimento e desregulação da indústria de óleo e gás: o caso brasileiro e as lições internacionais”, recém lançado pelo Ineep, em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) Brasil. 

Um dos organizadores da publicação, que reúne uma série de 22 artigos de oito pesquisadores, Leão acredita que a sua função é mostrar uma visão sobre o petróleo pouco encontrada na imprensa. “O Ineep tem o papel de gritar na grande mídia: ‘Não é bem assim, existe uma outra visão sobre o petróleo’”, opina.

Nas brechas que encontra, a entidade tem feito uma crítica contundente contra a atual gestão da Petrobras, que está justificando uma série de privatizações pela necessidade de diminuir a dívida da empresa. “A discussão aí é a seguinte: como e por que a estratégia central de uma empresa passa a ser a venda de ativos?”, questiona.

Além disso, a direção da estatal tem como meta restringir sua atuação no Sudeste e, consequentemente, entregar seus ativos localizados em outras regiões do país. No caso do Nordeste, Leão acredita haver uma retaliação política. “Eu não consigo ver um argumento econômico e técnico, neste caso nem isso existe”, avalia.

Essa retirada do Nordeste, que inclui a privatização das refinarias Abreu e Lima (RNest), em Ipojuca (PE), Landulpho Alves (RLAM), em São Francisco do Conde (BA), Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor), em Fortaleza (CE), causará, provavelmente, uma perda de investimentos em toda a região.

“Quando a Petrobras sai de um campo de terra lá no interior do Rio Grande do Norte ou do Ceará, quem vai entrar é uma empresa que tem capacidade de investimento milhares de vezes menor que a da Petrobras. Por isso, toda a estrutura que vai cercar aquela área terá um empobrecimento relativo”, explica.

Entretanto, a maior perda em relação ao potencial de geração de riquezas para o Estado brasileiro já ocorreu, na opinião do economista, com o fim da obrigatoriedade de participação da Petrobras na exploração do pré-sal, diminuição do conteúdo nacional e aceleração dos leilões.

“A Petrobras tinha que estar em todos os campos, com a aquisição de materiais brasileiros. Por isso, o ritmo de evolução da produção seria dado por esse viés. A Petrobras daria o ritmo da nossa indústria que, por outro lado, influenciaria no ritmo de exploração do pré-sal. Quando há a redução do conteúdo nacional e a retirada da Petrobras de todos os leilões, o coração deste processo é quebrado”, recorda.

Diante desse cenário, o terceiro livro do Ineep, que está disponível para download gratuito, pretende servir como uma voz dissonante e que reflete a perspectiva de grande parte dos defensores da Petrobras como motor do desenvolvimento nacional. “A gente precisa furar a bolha e eu acredito que estamos tendo êxito nesse sentido. Nós queremos falar com todo mundo”, aponta.

Confira abaixo a entrevista completa:

A primeira parte do livro aborda como o desinvestimento se tornou elemento central das últimas gestões da Petrobras. Esse desinvestimento, na verdade, não significa um investimento maior na exploração e produção do pré-sal em detrimento de outras áreas? 

Na discussão sobre desinvestimento como eixo central da atual estratégia da Petrobras, a gente não está se preocupando tanto com o valor ou se o investimento é destinado mais para a exploração e produção. A discussão aí é a seguinte: como e por que a estratégia central de uma empresa passa a ser a venda de ativos?

A gente entende que os desinvestimentos são parte de um processo de qualquer empresa, que compra e vende ativos ao longo da sua vida útil, isso é natural. Para dar um exemplo, as empresas de petróleo da Europa tem saído do refino, porque elas são obrigadas a investir em energia renovável, mas levando seus investimentos no setor de derivados para a Ásia.

O caso da Petrobras é novo, de uma empresa que está adotando como centro da sua estratégia o desinvestimento.

Qual a implicação disso? A empresa vai ficar muito mais refém das variações internacionais do preço do barril do petróleo, vai encolher e perder capacidade de formulação de planejamento.

Hoje, a Petrobras é uma empresa preocupada em gerar receita em um curtíssimo prazo. A gente não sabe qual o limite dessa tentativa de reduzir o endividamento por meio do desinvestimento. Essa é uma discussão que estamos propondo. Qual a estratégia da Petrobras e como ela dialoga com a pandemia e outros momentos conjunturais desfavoráveis? No fundo, a provocação que a gente faz é que não existe uma estratégia clara de longo prazo, que é fundamental para uma empresa de petróleo.

O artigo da pesquisadora Isadora Coutinho aponta que, durante a pandemia, a empresa caminhou na contramão do seu próprio Plano de Negócios e Gestão (PNG), que prevê a privatização de 50% da sua capacidade de refino, ao utilizar suas refinarias para aumentar a exportação de óleo combustível, especialmente o combustível marítimo (bunker oil), em um momento de queda do consumo interno. Existe alguma justificativa plausível, mesmo do ponto de vista puramente econômico, para a venda de parte do seu parque de refino?

A agenda da Petrobras é: “eu preciso me desfazer de ativos, porque eu tenho uma dívida muito alta”. Como o refino dá menos lucro que a exploração e produção, ela decidiu privatizar parte dessa área. Isso não está tecnicamente equivocado. O problema aí é que embora a Economia seja uma ciência que tem a matemática e estatística como elementos importantes, você pode tomar decisões completamente diferentes e ter argumentos econômicos para justificá-las. A questão, nesse caso, não é argumento econômico, para ser sincero. A questão, para mim, é a visão do que é ser uma empresa de petróleo.

Atualmente, a Petrobras avalia que uma empresa de petróleo tem que apenas produzir óleo cru e ponto. 

Ela está olhando para o ativo que, em tese, dá mais rentabilidade. Mas está ignorando vários outros fatores que interferem na gestão de uma empresa. Ela não considera que eles têm uma relevância a ponto de fazê-la rever essa estratégia. Nesta crise provocada pelo coronavírus, ocorreu exatamente o que o Ineep já vinha afirmando, ou seja, o refino está ajudando a Petrobras a mitigar os efeitos negativos.

Nesse segundo trimestre, inclusive, a Petrobras aumentou sua participação na venda de derivados. O refino dá a oportunidade de realizar novas ações frente às mudanças que são constantes no mercado internacional do petróleo. Mas a companhia prefere adotar outra postura. Então, não é apenas uma questão econômica, na verdade é como a gestão de hoje entende e enxerga uma empresa de petróleo.

A segunda parte do livro aborda os efeitos da desregulação na indústria nacional. Em um dos artigos, o pesquisador do Ineep e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Costa Pinto, aponta como um dos efeitos colaterais do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) a retirada da Petrobras como operadora única do pré-sal e a exigência de conteúdo nacional nos leilões. Qual é do impacto dessas medidas em relação aos recursos para o Estado brasileiro e para a geração de empregos?

É brutal porque o projeto que foi adotado no final da primeira década deste século tinha como centro a Petrobras criando uma espécie de nova indústria. Ela geraria uma cadeia produtiva no entorno da Petrobras e isso criaria um volume gigantesco de empregos. O setor de petróleo e refino não geram muitos empregos. A relação emprego-capital da Petrobras é relativamente pequena. Por isso, a geração grande de empregos está no seu entorno, nas indústrias de construção pesada, civil, naval e por aí vai. Nesse sentido, o Brasil estava tentando criar um movimento de expandir a indústria pesada por meio da Petrobras.


“Como e por que a estratégia central de uma empresa passa a ser a venda de ativos?”, questiona o economista Rodrigo Leão / Reprodução

Por que a lei da partilha e o conteúdo nacional eram essenciais nesse processo? Porque eles eram a sua estruturação. Ao ter a obrigatoriedade de explorar todos os campos do pré-sal, a Petrobras podia controlar o ritmo de exploração do pré-sal segundo seus interesses e possibilidades de fornecimento da nossa indústria, dado que o conteúdo local era muito alto. A Petrobras tinha que estar em todos os campos, com a aquisição de materiais brasileiros. Por isso, o ritmo de evolução da produção seria dado por esse viés. A Petrobras daria o ritmo da nossa indústria que, por outro lado, influenciaria no ritmo de exploração do pré-sal.

Quando há a redução do conteúdo nacional e a retirada da Petrobras de todos os leilões, o coração desse processo é quebrado.

O pré-sal abre uma janela de oportunidades gigantescas não apenas para outras empresas explorarem petróleo, mas também para venderem equipamentos e gerarem empregos no país. Toda vez que se abre uma janela dessas, a discussão não se dá apenas nas reservas que estão embaixo da terra, mas nos milhões de empregos que serão gerados. O petróleo é um recurso relativamente escasso, existe em poucos países. Então, há uma disputa global para entrar nessa indústria de fornecimento. São grandes tubarões que estão disputando a tapa tudo isso.

A minha avaliação, e o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli também tem defendido isso, é que mataram a possibilidade de tentar usar esse modelo de desenvolvimento pensado anteriormente, nos governos petistas. Ele se tornou inviável, não tem mais condições, outras empresas já entraram.

De acordo com documento publicado pelo Wikileaks, o senador José Serra (PSDB-SP), hoje denunciado por corrupção fez uma promessa para a petroleira Chevron, em 2017, que acabaria com o modelo de partilha. Esse é o principal objetivo, ou seja, retomar com o modelo de concessão?

Eu acho que as empresas já conseguiram o que elas queriam, de alguma maneira, que era o fim do conteúdo nacional, o fim da preferência da Petrobras nos campos e a aceleração dos leilões. Com isso, eles mataram o modelo pensado anteriormente porque o ritmo dos leilões agora é ditado pela ANP [Agência Nacional do Petróleo]. Não existe mais um controle baseado na indústria. O conteúdo nacional, atualmente, é baixíssimo. Além disso, como o ritmo está muito acelerado e, com isso, a Petrobras não tem mais condições de entrar em todos os leilões.

Quando você olha o cronograma todo, da queda da presidenta Dilma à chegada do Temer (MDB), toda a desregulamentação do setor do petróleo foi muito acelerada.

Eles mataram exatamente três coisas em menos de um ano: acabaram com o conteúdo nacional, retiraram a obrigatoriedade da Petrobras explorar todas as áreas e, logo na sequência, saiu um cronograma com dois ou três leilões por ano. Esses eram os grandes objetivos deles.

Mas é óbvio que a concessão ainda é melhor que a partilha, do ponto de vista do capital privado. Mas não acho que seja prioritário na agenda acabar com esse modelo de partilha. Se eles quisessem, teriam acabado com a partilha já em 2015, 2016. Obviamente, o campo progressista agora está muito mais enfraquecido e ao ver a oportunidade podem querer acabar com a partilha de uma vez. Não é novidade para ninguém que essa é a pauta do José Serra, ele está ali para isso. Mas, sinceramente, não acho que seja a prioridade das empresas.

Apesar do seu evidente avanço em relação aos ganhos do Estado brasileiro, o modelo de partilha não poderia ser apontado como uma síntese da política de conciliação de classes dos governos petistas, ou seja, com data de duração limitado?

Eu acho que temos que tomar muito cuidado. Eu acho que lei da partilha foi implementada dessa forma porque é inviável para a Petrobras explorar todo o pré-sal sozinha. A leitura que se tinha naquela época era: “a gente vai controlar a produção, mas ela não pode ser tão lenta ao ponto de não gerar demanda para fortalecer a indústria nacional”. Então, de alguma maneira era necessário do apoio de capital privado. Mas a Petrobras estava no centro do processo, tanto operacional, como operadora única, como tecnológico. Seria atraído investimento estrangeiro, mas isso é diferente do processo político que ocorreu com o PT.

Acho que em alguns momento o PT abriu mão de algumas bandeiras prioritárias nesse processo de coalizão de classes. Acredito que são processos complexos e diferentes. Não dá para transferir uma situação para a outra. A partilha é um pouco diferente. Estava se buscando atrair empresas estrangeiras, mas ainda com controle do Estado. Já no governo, o PT perdeu centralidade em alguns momentos. Eu concordo que você possa ter uma leitura que a partilha era uma forma de coalizão. Mas eu diria que o centro do controle estava muito mais na mão do Estado do que o processo de coalizão política, no qual o PT perdeu a capacidade de coordenação em muitos momentos.

Em um dos seus artigos, você destaca que a estratégia da atual direção da Petrobras de focar toda sua operação no Sudeste soa como retaliação ao Nordeste. Você acredita que haja um revide político do governo aos nordestinos? Além disso, você destaca que a saída da Petrobras de alguns setores não tem significado a entrada do capital privado. Qual será o impacto para territórios inseridos fora do eixo Rio-São Paulo dessa atual política da Petrobras?

Existe um pensamento muito simples e aparentemente lógico que convence muita gente, mas que é necessário ser problematizado. O raciocínio é o seguinte: com a saída da Petrobras dessas áreas, milhares de empresas entrarão, logo os investimentos crescerão. Somando toda a capacidade de investimentos dessas empresas, ela nunca será maior que a da Petrobras. Esse é um raciocínio simplista. Quando a Petrobras sai de um campo de terra lá no interior do Rio Grande do Norte ou do Ceará, quem vai entrar é uma empresa que tem capacidade de investimento milhares de vezes menor que a da Petrobras. Por isso, toda a estrutura que vai cercar aquela área terá um empobrecimento relativo.

Essa empresa vai investir menos e pagar menores salários, por exemplo. As grandes empresas concorrentes da Petrobras, do ponto de vista global, não se interessam por essas áreas. A gente não vai ver a Exxon ou a Total comprando campos de terra que produzem 10 a 15 mil barris por dia no Nordeste. Por isso, uma transição abrupta e até de certa maneira violenta, como a que está acontecendo agora, terá um impacto regional gigantesco. Isso vai gerar pobreza inevitavelmente.

Quando você olha a saída da Petrobras da produção de terra do Nordeste e de algumas outras áreas, como biocombustível, você vai cair no debate da estratégia e poderá concordar ou não. Agora quando a Petrobras sai dos setores de refino e petroquímica do Nordeste, aí soa retaliação porque ela vai manter o PGN no Rio de Janeiro, no Comperj, e as refinarias em São Paulo, por exemplo.

Qual o argumento para vender a Refinaria Abreu e Lima (RNest), que é nova e produz óleo bunker, que é valiosíssimo para a companhia? Qual argumento de vender essa refinaria para manter uma outra antiga no interior de São Paulo, por exemplo? O argumento de que a Petrobras vai ficar apenas no maior mercado, que é São Paulo, também não é verdade. A Replan, por exemplo, vende gasolina para o centro-oeste. Eu não consigo ver um argumento econômico e técnico, nesse caso nem isso existe.

Por que ela escolheu a RNest [Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca (PE)] e a RLAM [Refinaria Landulpho Alves, em São Francisco do Conde (BA)] e não a Recap [Refinaria Capuava, em Mauá (SP)] e RBPC [Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão (SP)], por exemplo? O que diferencia uma refinaria da outra? Qual a lógica de abrir mão de todas as refinarias do Nordeste? Quando você olha o conjunto da obra e vê que não sobrará nada no Nordeste é inviável não pensar que existe um processo para além da decisão econômica e técnica. Quando você coloca todas essas peças no tabuleiro, é impossível não achar que haja uma retaliação. Porque são dois pesos e duas medidas.

Grande parte dos artigos do livro foram publicados originalmente em veículos da grande imprensa. Qual a estratégia do Ineep em relação a esse diálogo com a mídia hegemônica? 

Eu acho que é preciso fazer um resgate histórico rápido. O Ineep nasceu ligado umbilicalmente às mídias sindicais. Ele é criado dentro da FUP, por isso, sua origem tem uma proximidade grande com a imprensa sindical. Evidentemente, as pautas do Ineep nem sempre coincidem com as pautas sindicais. Óbvio que os sindicatos se interessam por muita coisa que o Ineep produz, mas há uma série de questões que são próprias e voltadas para a categoria.

O Ineep tem uma importância para a mídia sindical, mas nunca será o centro. O centro é o movimento sindical. Partindo disso, o Ineep entende que precisa diversificar o seu espaço de atuação. A imprensa sindical não seria suficiente para a gente dar voz às nossas produções. Nesse sentido, começamos a buscar espaço com outras mídias. Evidentemente que essa aproximação foi mais fácil com alguns veículos do campo progressista, o que era algo fácil de imaginarmos. Carta Capital, Revista Fórum, Le Monde Diplomatique foram alguns deles.

O trabalho com a grande mídia é naturalmente mais difícil, não é tão simples. O Ineep começou a se preparar nesse processo para poder chegar nesses espaços. Tivemos que investir mais na nossa comunicação, que no início era muito precária. O trabalho de assessoria de imprensa da Federação Única dos Petroleiros (FUP) também foi fundamental. E por que a grande mídia é importante, do nosso ponto de vista? Porque quando você fala com um grande veículo, como o Valor Econômico e O Estado de São Paulo, é sinal que você tem alguma credibilidade técnica para poder tratar do tema. Independentemente do que esses jornais pensam, eles respeitam o que o Ineep está dizendo. Isso é fundamental para a gente.

E quando a nossa voz está dentro desses grandes meios, nós entendemos que o Ineep está cumprindo um papel importante para o movimento sindical e para o campo progressista. Ou seja, é uma forma de colocar um ponto de vista que muitas vezes não tem espaço na grande imprensa. O Ineep tem o papel de gritar na grande mídia: ‘não é bem assim’. A gente tem que entrar na grande mídia pra gritar essa frase, em resumo. ‘Não é bem assim, existe uma outra visão sobre o petróleo’. O Ineep se fortalece institucionalmente fazendo isso. A gente precisa furar a bolha e eu acredito que estamos tendo êxito nesse sentido. Nós queremos falar com todo mundo.

[Edição: Mariana Pitasse]