Governo golpista impõe Estado de Sítio em Honduras

O governo golpista de Roberto Micheletti decretou o estado de sítio em todo o território de Honduras, suspendendo…

Vermelho

O governo golpista de Roberto Micheletti decretou o estado de sítio em todo o território de Honduras, suspendendo as liberdades constitucionais de expressão, de imprensa, de associação e união, de livre circulação e os direitos dos presos. A medida foi tomada no Conselho de Ministros na terça-feira (22), um dia depois da volta do presidente Manuel Zelaya, mas só publicada pelo diário oficial no sábado, e numa edição que permaneceu secreta até o anoitecer de domingo (27).

Em uma leitura brasileira, o Decreto de Micheletti pode ser comparado ao Ato Institucional Nº 5 da ditadura brasileira: um golpe dentro do golpe, prenunciando uma fase ainda mais sinistra e liberticida, dentro de uma escalada ditatorial.

Ao mesmo tempo, é uma prova de fogo para os homens públicos e os meios de comunicação que vinham flertando com os gorilas de Tegucigalpa, um pouco por toda a América latina, a exemplo das Organizações Globo no Brasil. Assim como é uma confissão muda do quanto o retorno do presidente Zelaya abalou os fundamentos do regime de 28 de junho.

Líder da ONU condena ameaças à Embaixada brasileira

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, descreveu as ameaças à Embaixada do Brasil em Tegucigalpa como "inaceitáveis" e "intoleráveis". Ele disse, durante entrevista coletiva na sede da entidade em Nova York, nesta terça-feira (29), que está "profundamente preocupado" pelos últimos acontecimentos em Honduras.

"A lei internacional é clara: a imunidade soberana não pode ser violada", lembrou o diplomata coreano. "As ameaças ao pessoal da embaixada e suas premissas são intoleráveis. O Conselho de Segurança (CS) condenou esses atos de intimidação. Eu também faço isso, nos termos mais fortes", disse.

"Exorto os atores políticos para que se comprometam de forma séria com o diálogo e os esforços de mediação regionais. Reafirmo que as Nações Unidas estão dispostas a auxiliar de qualquer forma", afirmou ainda o secretário-geral.

Ban Ki-moon pediu que seja garantida a segurança de Manuel Zelaya, deposto e expulso de Honduras pelo golpe de Estado de 28 de junho. Zelaya retornou ao país há uma semana e, desde então, está abrigado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa.


Liberdades constitucionais suspensas

O estado de emergência tem de 45 dias: ou seja, vai até duas semanas antes das eleições marcadas para 22 de novembro, que os golpistas apresentam como promessa de normalização. Até lá, suspende a vigência de cinco artigos da Constituição hondurenha, a saber:

Artigo 69: "A liberdade pessoal é inviolável e apenas dentro da lei poderá ser restringida ou suspendida temporariamente".

Artigo 72: "É livre a expressão de pensamento por qualquer meio de difusão, sem censura prévia".

Artigo 78: "Garante-se as liberdades de associação e de reunião sempre que não sejam contrárias à ordem pública e aos bons costumes".

Artigo 81: "Toda pessoa tem direito de circular livremente, sair, entrar e permanecer no território nacional. Ninguém pode ser obrigado a mudar de domicílio ou residência, exceto em casos excepcionais e dentro da lei".

Artigo 84: "Ninguém pode ser preso ou detido, exceto em virtude de mandato escrito de autoridade competente, expedido com as formalidades legais e por motivo previamente estabelecido na lei".

O Artigo 4º do Decreto ordena: "Deter toda pessoa que seja encontrada fora do horário de circulação estabelecido, ou de alguma maneira se presuma como suspeitosa por parte das autoridades policiais e militares". Linhas abaixo, um detalhe sinistro: "todo recinto policial do país" manterá um registro dos presos políticos, "fazendo constar o estado físico do detido, para evitar futuras denúncias por supostos delitos de tortura".

Rádio e TV na mira de Micheletti

Uma das medidas ditatoriais do chamado Decreto Executivo PCM-M-016-2009 autoriza a Polícia nacional e as Forças Armadas a "suspender qualquer rádio-emissora, canal de televisão ou sistema a cabo que não ajuste sua programação às presentes disposições" – ou seja, "que ofendam a dignidade humana, a funcionários públicos, ou atentem contra a lei e as resoluções governamentais, ou de qualquer modo atentem contra a par e a ordem pública".

A imprensa hondurenha pró-golpe, ao noticiar o decreto, citou a Rádio Globo e o Canal 36 de TV como em vias de serem fechados. O site do diário ultramichelettista El Heraldo acusa os dois veículos de "fortes críticos do governo de Roberto Micheletti" e, suprema ilegalidade, de "transmitirem constantemente declarações de Manuel Zelaya".

O Decreto secreto só veio a público graças à Rádio Globo e ao Canal 36, que noticiaram seu conteúdo. O assunto chegou a ser indagado durante a coletiva de imprensa neste domingo, em que Carlos López Contreras, o chanceler golpista, ameaçou a embaixada do Brasil de "perder sua condição diplomática" dentro de de dias. Uma jornalista estrangeira perguntou "se é verdadeiro um certo rumor que corre por Tegucigalpa", de suspensão das liberdades civis. Contreras, cinico, respondeu: "Não tenho conhecimento".

Logo depois da coletiva, as primeiras xerocópias do Estado de Sítio começaram a vazar para os correspondentes estrangeiros. Constatou-se então que a assinatura de Contreras figura em terceiro lugar no Decreto Executivo. E o Decreto secreto veio à luz, em sua monstruosa feiura.

"Duas páginas que dão medo"

Pablo Ordaz, jornalista enviado a Tegucigalpa pelo diário espanhol El País – insuspeito de simpatias esquerdistas – comentou: "O Decreto Executivo PCM-M-016-2009 ocupa apenas duas páginas, mas são duas páginas que dão medo. Porque no final o que assinalam é que a liberdade dos cidadãos fica, a partir de agora, por 45 dias, à mercê dos militares e policiais a quem Micheletti deu carta branca."

O regime de Micheletti argumentou, em defesa de seu decreto, que as liberdades constitucionais podem ser suspensas, com base no Artigo 187 da Carta Magna hondurenha. Esta prevê a exceção "em caso de invasão do território nacional, perturbação grave da paz, epidemia ou qualquer outra calamidade geral". O Artigo seguinte (188), deixa claro que em tais casos vige a Lei de Estado de Sítio.

O presidente Zelaya – que, por ironia, os michelettistas acusam de violar a Constituição – ficou sabendo do Decreto na embaixada do Brasil, onde se abriga desde seu retorno a Honduras, dia 21. Para Zelaya, "é uma barbaridade que indigna".

O presidente eleito voltou a estimular seus seguidores à resistência pacífica. A Resistência planejou para esta segunda-feira um grande protesto na capital, assinalando três meses do golpe.

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