Morre Jacob Gorender, um dos principais historiadores marxistas do Brasil

 
Informações extraídas de reportagem do Brasil de Fato, feita em fevereiro desse ano
 
Morreu aos 90 anos Jacob Gorender, um dos mais importantes historiadores marxista brasileiros. A FUP lamentar a perda desse grande lutador e pensador brasileiro e se solidariza com seus familiares e amigos.
 
A trajetória de Jacob Gorender se mistura a alguns dos principais acontecimentos do país no século 20. Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por quase três décadas e criador do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Gorender foi muito além da militância prática: tornou-se um dos mais respeitados intelectuais da esquerda brasileira. Em 20 de janeiro deste ano, Gorender completou 90 anos, marcados por estudo, lutas políticas e uma vasta produção acadêmica. Em seus diversos livros, artigos e ensaios, Gorender apresentou ideias até então inéditas sobre o Brasil e sua formação socioeconômica.
 
Vida
Filho de imigrantes russos judeus, Jacob Gorender nasceu em 20 de janeiro de 1923 em Salvador (BA), e sua infância foi marcada por sérias dificuldades econômicas. Começou a trabalhar aos 11 anos, dando aulas particulares e, aos 17, era arquivista em um jornal chamado O Imparcial. Ingressou na faculdade de Direito em 1941 e, em meio a atividades no movimento estudantil, travou contato com Mário Alves, que já militava no Partido Comunista Brasileiro. No início de 1942, Gorender tornou-se o mais novo membro do “Partidão”.
 
O interesse pela política veio de casa. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2006, Gorender contou ter sido infl uenciado pelas ideias do pai. “Meu pai, particularmente, era um homem com ideias, digamos assim, esquerdistas. Não tinha formação cultural elevada, não frequentou academias, era um homem muito simples. Mas gostava de ler e, de certo modo, a sua posição influiu muito nas minhas atitudes”, afirmou.
 
Em 1943, aos 20 anos, outra decisão importante na vida do jovem: alistou-se como voluntário da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para combater o nazi-fascismo na 2ª Guerra Mundial. Ao retornar ao Brasil, em 1945, encontrou o Partido Comunista na legalidade. Instalou-se por um período no Rio de Janeiro, onde conheceu Luís Carlos Prestes. Depois de alguns meses, retornou a Salvador, onde decidiu abandonar de vez a graduação em Direito. Com isso, passou a dedicar-se integralmente à militância política, tornando-se membro do secretariado do Comitê Municipal do PCB, em Salvador.

Em 1946, mudou-se novamente para o Rio de Janeiro, onde integraria a redação do jornal Classe Operária, órgão central do Partido Comunista. Em 1955, outra viagem internacional: Gorender foi à União Soviética para participar de um curso da escola superior do Partido Comunista soviético.

 
Ali, os estudantes tinham lições de materialismo dialético, economia, política, história do movimento operário mundial, dentre outros pontos. Gorender integrava uma turma com 50 brasileiros, coordenada por Maurício Grabois.
 
Gorender permaneceu na URSS por dois anos e, ao retornar ao Brasil, seguiu com a militância no Comitê Central do PCB – do qual se tornaria membro efetivo em 1960. Em 1964, com o golpe militar, Gorender passou a atuar na clandestinidade.
 
Com a solidariedade dos amigos, pode continuar com seus estudos. Valdizar Pinto do Carmo e sua companheira, Sonia Irene do Carmo, haviam conhecido Gorender em 1960, durante um encontro de estudantes militantes do PCB. Alunos da Universidade de São Paulo (USP), o casal facilitava o acesso de Gorender aos livros. “Para dar apoio a ele, levantávamos bibliografia sobre o período estudado e retirávamos das bibliotecas os materiais que ele indicava”, recorda Valdizar.
 
A esta altura, conta o amigo, Gorender estava interessado sobretudo na história do período colonial do Brasil. O intelectual permaneceu no PCB até 1968, quando saiu da organização para fundar o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), ao lado de Mário Alves, Apolônio de Carvalho e outros comunistas.
 
Prisão
Em 1970, Gorender passou por uma de suas experiências mais marcantes: foi preso em São Paulo por agentes do Esquadrão da Morte, chefiado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, e levado ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde foi torturado. O destino de Gorender foi o presídio Tiradentes.
 
Nesse momento, tinha 47 anos, muitos a mais que seus colegas de prisão – a maioria na casa dos 20. Ali, passou a dedicar-se ainda mais aos livros. Quem o ajudou na missão foi sua companheira, Idealina, que levava, nos dias de visita, as obras pedidas pelo marido.
 
Graças a Gorender, a cela tornou-se um ambiente de difusão de conhecimento, como conta o jornalista e escritor Alipio Freire. “O Jacob sempre organizou debates para a gente na cela. Ele começou com o hábito de incentivar os presos que tinham mais informação a expô-la para os outros. Alguns ensinavam francês, outros história, era todo tipo de conhecimento”, salienta.
 
Gorender em seguida organizou um curso sobre história econômica do Brasil, ministrado todas as segundas-feiras à noite em sua cela. A atividade era “concorrida” na cadeia, como relembra o jornalista e artista plástico Sérgio Sister. “O Jacob era a grande personalidade da cadeia. Nós aprendemos muito com ele”, afirma.
O curso sintetizava algumas das ideias que Gorender defenderia em sua tese O Escravismo Colonial, que viria a ser lançado em 1978 pela editora Ática.
 
Legado
Jacob foi libertado da prisão cerca de dois anos depois, quando passou a se dedicar integralmente ao trabalho de tradutor e a investigar a realidade brasileira. Uma das principais qualidades do intelectual, para Sérgio Sister, era o rigor que dedicava aos seus objetos de estudo.
 
“O Jacob é uma das figuras da esquerda brasileira que sempre exigiu rigor no estudo e na apreciação das questões. Ele tinha muita preocupação com o conhecimento da realidade brasileira, em não deixar a coisa no ‘chute’ ou no romantismo”, destaca.
 
Por questões de saúde, Jacob Gorender não pôde conversar com a reportagem do Brasil de Fato. No entanto, os amigos e companheiros de militância ressaltam a importância do pensador para suas trajetórias e seu papel como educador.
 
“O Jacob é um dos caras mais sérios e lúcidos para analisar a realidade brasileira e os nossos problemas como militantes comunistas, o que queremos para nós mesmos e para a sociedade brasileira. Ele foi muito importante para aquela geração, para quebrar alguns mitos da verdade absoluta de sempre”, diz Alipio Freire.
Autodidata, Jacob Gorender permaneceu à margem do campo acadêmico durante muitas décadas. Somente em 1994, aos 71 anos, seu mérito foi reconhecido com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
 
 
Artigos e Ensaios
  • 1958 “Correntes sociológicas no Brasil”. ESTUDOS SOCIAIS, n.º 3-4, Rio de Janeiro, set./dez. de 1958, pp. 335–352;
  • 1958 “Política exterior em crise”. ESTUDOS SOCIAIS, Rio de Janeiro, 1958, nº 2, pp. 129–36;
  • 1958 “Revista Brasiliense. ESTUDOS SOCIAIS, Rio de Janeiro, maio/junho de 1958, nº 1, pp. 125-7;
  • 1959 “A espoliação do povo brasileiro pela finança internacional”. ESTUDOS SOCIAIS, nº 6, Rio de Janeiro, maio/setembro de 1959, pp. 131–48;
  • 1960 “A questão Hegel”. ESTUDOS SOCIAIS, Rio de Janeiro, nº 8, julho. de 1960, pp. 436–58;
  • 1960 “O V Congresso dos comunistas brasileiros”. ESTUDOS SOCIAIS, n. 9, Rio de Janeiro, outubro de 1960, pp. 3–11;
  • 1960 “Perspective de l’homme/Roger Garaudy”. ESTUDOS SOCIAIS, Rio de Janeiro, nº 9, outubro de 1960, pp. 113–16.
  • 1963 “Direções da luta pela democracia em nosso tempo”. ESTUDOS SOCIAIS, Rio de Janeiro, nº 18, novembro de 1963, pp. 189–93.
  • 1980 O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. In: Lapa, J.R. do Amaral (org.). Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis, Vozes, 1980.
  • 1982 Introdução. In: Marx, Karl. Para a crítica da economia política. São Paulo, Abril Cultural, 1982. Coleção Os Economistas.
  • 1983 Apresentação. In: Marx, Karl. O capital. vol. 1. São Paulo, Abril Cultural, 1983. Coleção Os Economistas.
  • 1983 Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial. Estudos Econômicos. São Paulo, IPE-USP, 1983. 1(13).
  • 1984 Nota sobre uma questão de ética intelectual. Estudos Econômicos. São Paulo, IPE-USP, 1984. 2 (14).
  • 1986 A participação do Brasil na II Guerra Mundial e suas conseqüências. SZMRECSANYI, T. & GRANZIERA, R.B. [Org.] Getúlio Vargas e a economia contemporânea. Campinas: UNICAMP, 1986.
  • 1987 A revolução burguesa e os comunistas. In: D’Incao, Maria Angela (org.). O saber militante. Ensaios sobre Florestan Fernandes. Rio de Janeiro, UNESP/Paz e Terra, 1987.
  • 1988 A face escrava da corte imperial brasileira. Azevedo, P. C. & LISSOVSKY, M. [Org]. Escravos brasileiros: do século XIX na fotografia de Chistiano Jr. São Paulo: Ex Libris, 1988. pp. xxxi-xxxvi.
  • 1988 Coerção e consenso na política. Estudos Avançados. São Paulo, IEA-USP, 1988. 3 (2).
  • 1989 Crise mortal ou reconstrução? Teoria e Debate. São Paulo, 1989, (n.8).
  • 1989 Do pecado original ao desastre de 1964. In: D’Incao, Maria Angela (org.). História e ideal. Ensaios sobre Caio Prado Júnior. São Paulo, UNESP/Brasiliense, 1989.
  • 1989 Introdução. O nascimento do materialismo histórico. In: Marx, Karl e Engels, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo, Martins Fontes, 1989.
  • 1990 Introdução. Teoria econômica e política revolucionária no marxismo russo. In:. Bukharin. São Paulo, Ática, 1990. Coleção Grandes Cientistas Sociais. Fernandes, Florestan, (coord.)
  • 1990 Teoria econômica e política revolucionária no marxismo russo. BUKHARIN. Economia. São Paulo: Ática, 1990. [Coord. Fl. Fernandes.]
  • 1991 A escravidão reabilitada. LPH – REVISTA DE HISTÓRIA. Seminário sobre “Tendências contemporâneas da historiografia brasileira”. Universidade Federal de Ouro Preto, dezembro, 1991. Mariana, MG, LPH-UFOP, 1992. 1 (3).
  • 1991 Fim do milênio ou fim da História? LPH – Revista de História. Anais do VII Encontro Regional da ANPUH-MG. Mariana, MG, 1991. 1(2).
  • 1992 La América portuguesa y el esclavismo colonial. BONILLA, Hercaclio. [Org.] Los conquistados. 1492 y la población indígena de las Américas. Bogotá/Tercer Mundo/Flacso/Libri Mundi, 1992.
  • 1992 La América portuguesa y el esclavismo colonial. In: Bonilla, Heraclio (org.). Los conquistados. 1492 y la población indígena de las Américas. Bogotá, Tercer Mundo/ FLACSO/ Libri Mundi, 1992.
  • 1993 Liberalismo e capitalismo real. In: NÓVOA, Jorge (org.). A História à deriva. Um balanço de fim de século. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1993.
  • 1994 A revolução de outubro: revolução ou golpe de Estado? In: Coggiola, Osvaldo (org.). Trotsky/ Hoje. São Paulo, Ensaio, 1994.
  • 1994 A vigência de O Capital nos dias de hoje. In: Coggiola, Osvaldo (org.). Marxismo Hoje. São Paulo, Xamã/ Depto de História da FFLCH-USP, 1994.
  • 1994 Sobre a dissolução da União Soviética. Crítica marxista. São Paulo, Brasiliense, 1994. 1(1)
  • 1994 Teses em confronto: do catastrofismo de Kurz ao social-democratismo de Chico de Oliveira. Universidade e Sociedade. São Paulo, ANDES, 1994. (n.6).
  • 1995 Confluências e contradições da construção sociológica. Revista Adusp. São Paulo, Associação dos Docentes da USP, 1995. (n. 4).
  • 1995 Conhecimento social e militância política em Florestan Fernandes. Praxis. Belo Horizonte, 1995. (n.5).
  • 1995 Estratégias dos Estados nacionais diante do processo de globalização. Estudos Avançados. São Paulo, IEA-USP, 1995. 9 (25).
  • 1995 Graciliano Ramos: lembranças tangenciais. Estudos Avançados. São Paulo, IEA-USP, 1995. 9 (23).
  • 1995 Hegemonia burguesa – reforçada pela prova eleitoral de 1994. Crítica marxista. São Paulo, Brasiliense, 1995. 1(2).
  • 1995 L’Hegemonie bourgeoise renforcé par l’épreuve electorale bresilienne. Cahiers marxistes. Bruxelas, julho-agosto de 1995.
  • 1996 Globalização, realidade e sofismas. Brasil revolucionário. São Paulo, 1996. (n. 25), maio-julho.
  • 1996 Globalização, tecnologia e relações de trabalho. Estudos Avançados. São Paulo, IEA-USP, 1996. 11 (29).
  • 1996 O pior já passou. Folha de São Paulo. 20 de outubro de 1996.
  • 1997 Entrevista a Alípio Freire e Paulo de Tarso Venceslau. In Rememória – Entrevistas sobre o Brasil do século XX. Ricardo Azevedo e Flamarion Maués (orgs.). São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1997.
  • 1997 Marighella, o indômito. In Tiradentes, um presídio da ditadura. Memórias de presos políticos. In Alípio Freire, Izaías Almada, J. A de Granville Ponce (orgs.). São Paulo, Scipione, 1997.
  • 1997 Uma vida de militância. Folha de S. Paulo (Jornal de resenhas). 13 de setembro de 1997.
  • 1998 A prova da história. ESTUDOS AVANÇADOS. São Paulo, IEA-USP, 1998. 12 (34).
  • 1998 O marxismo no final do século XX. In Contributions. Paris, Rencontre Intenationale, 1998. 8º dossié.
  • 1998 O proletariado e sua missão histórica. ALMEIDA, J. & CANCELLI, V. [Org.] 150 anos de Manifesto Comunista. São Paulo: Xamã: SNFPPT, 1998. pp. 19–28.
  • 1998 Onde falham os esquematismos e as simplificações. Prefácio ao livro de Arlene Clemesha intitulado Marxismo e judaísmo. História de uma relação difícil. São Paulo, Boitempo, 1998.
  • 2000 Desafios para uma força social emergente. Estudos Avançados. São Paulo, IEA-USP, 2000. 14 (39).
  • 2000 Gilberto Freyre – o talentoso reacionário. In Brasil revolucionário. São Paulo, Instituto Mário Alves, 2000 (n. 27).
  • 2001 Challenges for an emerging social force. In Brazil – dillemas and challenges. São Paulo, USP-EDUSP, 2002.
  • 2001 Era o golpe de 1964 inevitável ? In: Caio Navarro Toledo (org.). 1964: visões críticas do do golpe. Democracia e reformas do populismo. Campinas, Ed. da Unicamp, 1997. Reimpressão 2001.
  • 2001 Fleury – torturador e assassino em nome da lei. In Reportagem. São Paulo, Ed. Manifesto, 2001 (n. 18).
  • 2001 Marx, um homem comum. In Reportagem. São Paulo, Ed. Manifesto, 2001 (n. 19).
  • 2001 Prefácio. Carlos Fico. Como eles agiam. Rio de Janeiro, Record, 2001.
  • 2001 Somos todos afro-brasileiros. In Almanaque Brasil de cultura popular. São Paulo, Elifas Andreato Comunicação, 2001 (n. 26).
  • 2001 Tortura no Brasil denunciada na ONU. In Reportagem. São Paulo, Ed. Manifesto, 2001 (n. 20).
  • 2002 Liberalismo e escravidão. Entrevista. In Estudos Avançados. São Paulo, IEA-USP, 2002, n. 46.
  • 2003 Capitalismo pós-capitalista. In Folha de S.Paulo (Jornal de Resenhas). São Paulo, 08-02-2003.
  • 2004 O épico e o trágico na história do Haiti. In Estudos avançados, 18 (50), 2004.